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60 anos do golpe: Não Lula, não vamos esquecer a ditadura e seus crimes

Enquanto Lula cancela eventos que lembrariam os mortos e desaparecidos, Clube Militar no Rio de Janeiro faz almoço para comemorar golpe de 1964

Diego Cruz

14 de março de 2024
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Um golpe desferido contra o direito de lutar

O cancelamento do ato, a mando de Lula, que relembraria os perseguidos pela ditadura instalada no golpe militar de 1964, expõe a relação subalterna e omissa do governo do PT diante da cúpula das Forças Armadas e setores da ultradireita.

O ato, organizado pelo Ministério dos Direitos Humanos de Silvio Almeida, seria realizado no Museu da República no dia 31 de março, a data oficial do golpe (que na verdade foi em 1 de abril). Lula, porém, mandou o ministro Silvio Almeida desmarcar o evento e não mencionar qualquer referência à data, em prol de sua aproximação com os militares. Dias antes, Lula havia dito que evitaria “remoer o passado”, em relação aos 60 anos do golpe.

Em entrevista à RedeTV, Lula argumentou que o golpe “já faz parte da História, já causou o sofrimento que causou“. A fala absurda causou revolta nas vítimas da ditadura, seus descendentes e organizações de Direitos Humanos. “Nos surpreendemos agora com a declaração de Lula de que nós não podemos remoer o passado, em relação ao golpe de 64. Eu considerei essa frase muito ofensiva. Porque quem teve parentes, familiares presos, mortos, torturados, quem foi exilado, quem sofreu, quem ousou se opor ao regime militar, e sofreu consequências, merece, no mínimo, respeito“, declarou Iara Xavier ao Portal Pública. Iara é ex-militante da ALN (Ação Libertadora Nacional), foi exilada e teve dois irmãos e o marido assassinados pela ditadura.

Lula determina cancelar todos os atos de memória da ditadura. Negociou com militares os DH que pertencem à vítimas e à sociedade. Está violando decisões judiciais, sentenças internacionais, PNDH, recomendações da CNV, diretrizes da ONU e o patrimônio moral da esquerda“, denunciou em sua rede social Paulo Abrão, que presidiu a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça nos próprios governos Lula e Dilma.

A determinação de não rememorar os 60 anos do golpe se estende a todos os outros ministérios e órgãos do Governo Federal. E guarda certa coerência com outras ações do governo Lula, como a de manter engavetada a retomada da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que Silvio Almeida tinha a intenção de recriar em janeiro do ano passado. A comissão havia sido extinta pelo governo Bolsonaro em 2019, e a sua retomada foi promessa de campanha do atual governo. Enquanto isso, várias famílias dos mortos e desaparecidos da ditadura continuam sem o direito de enterrar seus entes, crimes permanecem impunes, assim como os torturadores e assassinos que perpetraram as barbaridades durante o regime militar.

Até mesmo um Museu da Memória e da Verdade, anunciado pelo Ministério da Justiça de Flávio Dino durante o ato de lembrança dos 50 anos do golpe no Chile, e que iria ser inaugurado no aniversário do golpe aqui no Brasil, teve seu projeto completamente abandonado. 

A omissão em relação ao golpe de 1964 por parte do governo Lula chega ao cúmulo do completo desprezo aos familiares das vítimas, que sequer conseguem ser recebidos pelo governo para uma simples reunião. Conforme informa ainda à Pública, no dia 3 de setembro foi encaminhada uma carta à Presidência assinada pelos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, pela Coalizão Brasil por Memória, Verdade e Justiça, Reparação e Democracia, e pelo Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, relatando as tentativas de se reunirem com o governo desde o início do mandato. Ainda esperam uma resposta.

Esquecimento e impunidade em troca da “conciliação”

A proibição e censura por parte do governo Lula de qualquer alusão ao golpe ocorre poucas semanas após o bolsonarismo realizar o ato que reuniu quase duas centenas de milhares de pessoas na Avenida Paulista. Poucos dias após virem a público os detalhes do plano de golpe de Estado encabeçado por Bolsonaro e parte da cúpula militar. E escancara a forma como o governo enfrenta o golpismo: não enfrenta. Ao contrário, barra qualquer ação que confronte minimamente o alto comando militar e, mais que isso, ainda mantém quadros, como o bolsonarista José Múcio à frente do Ministério da Defesa.

Essa política de conciliação do governo Lula com a extrema direita e os golpistas, não enfrentando até o fim e de forma consequente a ultradireita, e terceirizando em parte essa tarefa à Justiça, deixa esses setores livres para continuarem com suas ameaças e intimidações. Já o esforço para silenciar as vítimas da ditadura e seus familiares, e perpetuar a chaga da impunidade que já impera por seis décadas, é o que também permite que os militares continuem se colocando como o fiel da balança em relação às liberdades democráticas. 

É o que permite que Múcio, por exemplo, diga que “devemos às Forças Armadas a manutenção da democracia“, sobre a tentativa de golpe de Bolsonaro, ecoando o famigerado Artigo 142, que, segundo a interpretação dos golpistas, confere o poder moderador às Forças Armadas. 

Apesar do governo Lula, os 60 anos do golpe militar não serão esquecidos. Organizações, ativistas e movimentos realizarão diversas atividades para denunciar o golpe, a impunidade e exigir “nenhuma anistia” aos golpistas do passado e aos golpistas do presente. O PSTU é parte da convocatória e organização dessas atividades.

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