Nacional

A picanha não veio e o arroz e feijão estão sumindo

Preços dos alimentos em casa, que já estavam altos, dispararam ainda mais no início do ano

Redação

4 de abril de 2024
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Uma ida a qualquer supermercado ou feira é suficiente para constatar que comer está mais caro | Foto: Agência Brasil

Em sua campanha, Lula prometeu que o povo voltaria a comer picanha. Pouco mais de um ano depois, as famílias mais pobres não só não estão comendo picanha, como estão tendo que tirar ou reduzir do prato os alimentos mais básicos, como batata, frutas, verduras, o tradicional arroz e feijão, e até mesmo os ovos, a “carne do pobre”.

Uma ida a qualquer supermercado ou feira é suficiente para constatar que comer está mais caro. Os mais diferentes indicadores mostram um salto no preço dos alimentos in natura, aquele tipo de alimento chamado “de domicílio”. Enquanto a inflação geral segue relativamente baixa, comparada ao período anterior, ou até mesmo diminuiu para as famílias de renda mais alta, a inflação desses alimentos foi o dobro do índice oficial.

Levantamento da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe) registrou uma inflação de 1,3% neste primeiro trimestre do ano, enquanto que os alimentos subiram 3%. Mas quais alimentos exatamente estão puxando essa inflação?

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de fevereiro, calculado pelo IBGE, é um bom exemplo: a batata inglesa subiu 6,79%; o arroz, 3,69%; e o feijão, 5%. Verduras e hortaliças, por sua vez, subiram 2,31%. A laranja tem os maiores preços em 30 anos. O ovo de galinha, só no mês de março, disparou 6,24%.

Essa inflação impacta muito mais as famílias mais pobres, que têm um quarto da sua renda comprometida com a alimentação. Não é por menos que a disparada nos preços esteja sendo avaliada como o principal fator para o desgaste do governo Lula, demonstrado nas pesquisas de popularidade mais recentes.

Inflação

Disparada nos alimentos (entre janeiro e fevereiro)

  • Cebola – 7,37%
  • Batata-inglesa – 6,79%
  • Frutas – 3,74%
  • Arroz – 3,69%
  • Leite – 3,49%
De quem é a culpa?

O problema vai além do clima

O governo Lula, a imprensa e analistas de mercado se unificaram em torno de uma justificativa para a subida dos preços: o fenômeno “El Niño”, que provocou secas e/ou excesso de chuvas, que prejudicaram o setor.

Mas, se por um lado, é fato que o fenômeno climático provocou quebra de safras, algo que também entra na conta do grande agronegócio, que destrói o meio ambiente e agrava as mudanças climáticas; por outro, não se trata de um problema totalmente novo ou imprevisível. Agora, eles dizem “Calma, que daqui a pouco os preços voltarão ao normal”. Mas, será isso mesmo?

A inflação dos alimentos explodiu nos últimos anos e foi um dos principais fatores que pressionaram a renda das famílias mais pobres. Em 2020, os alimentos em domicílio subiram 18,2%. Em 2021, os preços inflacionaram 8,2%, e em 2022, 13,2%. No primeiro ano de governo Lula, em 2023, a inflação dos alimentos até diminuiu, mas só 0,5%. Ou seja, na prática, só deixou de aumentar, mas os preços permaneceram lá em cima. E, agora, voltaram a subir de novo.

Mesmo que essa disparada desacelere, os preços continuarão num patamar elevado e isso não vai ser culpa apenas do clima, mas do modelo capitalista e da dominação do agronegócio, junto às grandes redes varejistas, dominadas cada vez mais por multinacionais e o capital financeiro internacional.

 

Agro não é Pop

Agronegócio não produz alimentos

O atual modelo agrícola capitalista se estruturou em três pilares fundamentais: a produção de commodities (matérias-primas e recursos naturais voltados para exportação, e não de comida), a definição dos preços pela especulação financeira e a constituição de monopólios mundiais que controlam a produção de commodities do setor.

A alta dos preços está diretamente relacionada ao agronegócio, um modelo de agricultura que privilegia muito mais a exportação, à custa de um encarecimento brutal dos alimentos e de um aumento exponencial da fome da população brasileira.

O agronegócio surgiu a partir da chamada “Revolução Verde”, um momento da história, depois da Segunda Guerra, em que houve um salto na mecanização da produção e na introdução de insumos sintéticos, agrotóxicos, sementes híbridas e todo um conjunto de pacotes agroquímicos de produção que permitiram o rebaixamento dos custos com mão de obra e com a terra.

Ao mesmo tempo, essas novas tecnologias tornaram o campesinato mais dependente de insumos externos e, também, apoiaram a construção de grandes complexos agroindustriais controlados por grandes capitalistas, que detêm a propriedade da terra e da indústria.

Concentração da produção e transformação de comida em mercadoria

Tal processo permitiu o crescimento da concentração do setor em oligopólios; ou seja, quando há poucos fornecedores de um certo produto e cada um deles possui uma parcela específica do mercado.

Por exemplo, as grandes empresas exportadoras de sementes geneticamente modificadas (transgênicas), como a Bayer, a Corteva e a Sygenta, controlam 80% deste mercado. Já as fabricantes de agrotóxicos, como Syngenta, Bayer, Basf, Corteva, a indiana UPI e a norte-americana FMC controlam 80% da comercialização do produto.

Esse processo foi acompanhado pela aplicação da cartilha neoliberal, que impôs o fim dos subsídios à agricultura camponesa familiar, a liberalização dos mercados agrícolas e a substituição dos estoques governamentais pelos estoques das empresas internacionais e pelo mercado.

Estoques públicos de alimentos são fundamentais para controlar seus preços e, também, proteger os agricultores de riscos provocados por problemas climáticos que provocam a quebra da produção agrícola.

No Brasil, quem exercia esse papel era a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mas a maioria dos seus armazéns foram fechados. Hoje, os armazéns da Conab respondem por apenas 2% da capacidade do país em estocar milho, soja, arroz, feijão. O restante fica com o setor privado; ou seja, os estoques servem às grandes empresas para ganhar mais dinheiro e lucrar com a especulação, e não para matar a fome do povo .

Hoje, os preços dos produtos agrícolas são definidos pelo mercado financeiro, mais especificamente pela Bolsa de Chicago (EUA). Os preços da soja, do algodão e de muitos outros produtos viram moeda de especulação financeira, um processo brutal, que reforça a ideia de que comida é mercadoria. Ou, em inglês, commodities.

 Semicolônia

Monopolização e concentração fundiária

Atualmente, a expansão da agricultura capitalista nos países periféricos, como o Brasil, sob forte controle monopolista, se dedica cada vez mais à produção de commodities ao mercado mundial, em detrimento da produção de alimentos. Segundo o Censo do IBGE de 2006,  70% dos alimentos que chegam às casas brasileiras, como feijão, arroz, milho, leite, batata, mandioca, vêm de produções da agricultura camponesa familiar. Infelizmente, não foram realizados mais levantamentos sobre isso desde então.

Mas de acordo com o IBGE, em 50 anos (de 1974 a 2020), a área de cultivo de arroz no país encolheu 64%, mas a de soja cresceu 623% e já domina metade dos subsídios à agricultura. Enquanto 70% da produção é exportada, aqui ficam a devastação ambiental, a crise alimentar e o desemprego. Ou seja, priorizar a soja significa ampliar as desigualdades brasileiras. Já a produção de feijão foi reduzida em 37%, 1,6 milhão de hectares a menos do que em 1974. No mesmo período, a população brasileira mais que dobrou.

Ataques ao meio ambiente e às populações locais

Todo esse modelo de agricultura reforça a concentração fundiária. No Brasil, apenas 1% dos proprietários rurais controla 47% das terras agrícolas, parte de um processo que também provoca imensos impactos ambientais. Se, a curto prazo, a aplicação de novas técnicas aumenta a produtividade, ao mesmo tempo ela provoca grandes problemas ambientais, como a degradação dos solos, a contaminação e o assoreamento (acúmulo de sedimentos e detritos) de rios, lagos e lençóis freáticos.

Por isso, o agronegócio precisa se expandir sempre, alargando a fronteira agrícola em busca de novas terras férteis e mais baratas. A consequência é a destruição de biomas inteiros, como, por exemplo, o Cerrado brasileiro ou o contínuo desmatamento da Amazônia, além da violência contra comunidades camponesas, quilombolas e indígenas.

Além disso, a expansão do agro sobre a Amazônia potencializa a crise climática e pode acabar com os “rios voadores”, diminuindo as chuvas em todo o Brasil e, inclusive, prejudicando a própria produção do agronegócio.

As mentiras do bolsonarismo

Recentemente, Eduardo Bolsonaro escreveu numa rede social que “Lula não vai acabar com a fome no Brasil pelo simples fato que ele odeia o produtor agrícola”. Ou seja, para ele, o atual governo é inimigo do agronegócio que, supostamente, produz alimentos para a população.

Contudo, como vimos acima, o agronegócio não produz comida alguma; mas, sim, commodities, e representa uma ameaça à soberania alimentar do país. Os Bolsonaros sempre foram aliados do agro e, por isso, afrouxaram as leis ambientais e incentivaram a invasão das Terras Indígenas.

Mas, é preciso dizer que Lula sempre fortaleceu e também foi um aliado do agronegócio. Prova disso é que o seu governo anunciou o Plano Safra 2023/2024, com R$ 364,22 bilhões para o financiamento da agricultura e da pecuária empresarial no país – o maior financiamento da história. Enquanto isso, os preços dos alimentos nas gôndolas dos supermercados só sobem, comendo o rendimento das famílias mais pobres.

Programa

Expropriar o agronegócio para garantir alimento barato

É impossível resolver o problema da inflação dos alimentos sem encarar a estrutura agrária do país, que tem uma produção voltada para o lucro de latifundiários e multinacionais. Muito menos esta questão pode ser resolvida dando ainda mais dinheiro para o agronegócio, que é justamente o maior responsável por essa situação.

Para garantir alimentos baratos e acessíveis à população é preciso expropriar o agronegócio. É necessário estatizar o latifúndio, fazendo uma reforma agrária radical, que garanta créditos e subsídios à agricultura familiar, responsável por grande parte dos alimentos que chegam às mesas das famílias.

É preciso, também, expropriar o grande agronegócio, até mesmo para que possamos garantir os estoques reguladores, retomar a Conab, mas de forma que ela realmente funcione, a fim de garantir o acesso aos alimentos em períodos de chuvas excessivas ou secas, fenômenos que tendem a ser cada vez mais frequentes e graves, devido às mudanças climáticas causadas pelo capitalismo.

É, ainda, preciso acabar com esse modelo do agro que extermina florestas em prol da monocultura de exportação e para fazer pasto.

Leia também o editorial do Opinião Socialista

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