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As causas objetivas da queda de popularidade de Lula no Nordeste

Ao contrário do que apregoam os partidos da esquerda governista, é preciso enfrentar os ataques do governo Lula-Alckmin contra os trabalhadores e os oprimidos, para também enfrentar a ultradireita de maneira consequente.

Hertz Dias, Membro da Secretaria de Negros do PSTU e vocalista do grupo de rap Gíria Vermelha

10 de abril de 2024
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Recentemente foi divulgada uma pesquisa que reúne três instituições (Ipec, AtlasIntel e Paraná Pesquisas) que mostram uma queda na popularidade do governo Lula no Nordeste, em dez pontos. Nas três maiores cidades da região – Fortaleza, Salvador e Recife- o recuo foi bem maior, chegando a 17 pontos na capital cearense em apenas um ano. É a menor aprovação do PT na região desde 2002, quando Lula foi eleito como 62% dos votos, chegando a impressionantes 77% na reeleição de 2006. De lá pra cá o PT sempre se manteve na casa dos 70%, mesmo na derrota de Haddad em 2018. As pesquisas apontam quatro fatores que explicam o desgaste do governo petista na região: a lentidão da economia; o “mais do mesmo” das políticas assistencialistas ; a insegurança pública; e o esgotamento do discurso de “defesa da democracia”.

A pesquisa mostra uma contradição que achamos ser a mais relevante: a queda da popularidade de Lula é um produto direto do desemprego na região e, por outro, expressão também do esgotamento do discurso de “guardião da democracia”, que o PT faz de si mesmo, com reverberação em seus satélites políticos ( PCdoB, PSOL e PSB). Discurso este que é usado, sistematicamente, para escamotear o primeiro elemento da contradição que é o seu fator objetivo: a carestia e a miséria crescente dos trabalhadores nordestinos.

Mesmo que a média nacional do desemprego tenha ficado na casa dos 7,8% no primeiro trimestre deste ano, a situação objetiva dos trabalhadores não melhorou. Na região Nordeste é pior. O desemprego alcança a casa dos 10%. Na Bahia e em Pernambuco, essas taxas ultrapassam os 13%.

Ora, se este trabalhador não consegue se alimentar e alimentar a sua família direito e ainda é obrigado a ouvir, diuturnamente, que tem que defender essa tal democracia, sem que se explique que raio de democracia é essa, qual seu verdadeiro conteúdo de classe, uma hora isso enche o saco e esgota a paciência.

Até os beneficiados pelo Bolsa Família diminuíram (3,7 milhões a menos no Nordeste) e os que continuam recebendo se deparam como essa mísera ajuda cada vez mais encolhida diante da alta dos preços dos alimentos. Enquanto isso, 30 bilionários nordestinos se esbaldam na lista da Revista Forbes, entre os mais ricos do mundo. 56% desses parasitas do Nordeste concentram-se no Ceará, estado governado pelo PT. No Maranhão, Wilson Matheus, o segundo mais rico da lista, recebeu de presente, do então governador Flávio Dino, hoje Ministro do STF, uma lei, apelidada de Lei Mateus, que isentou só sua empresa, o Grupo Mateus, do pagamento de ICMS. Isso em um dos estados mais empobrecidos da federação.

Diante de tudo isso, seguir agitando, demasiadamente, a defesa desta democracia, universal e abstrata, é trocar os elementos objetivos por subjetivos. É obvio que a defesa das liberdades democráticas não é uma coisa meramente subjetiva. É, sim, um elemento político que segue tendo importância grande, mesmo depois da derrota eleitoral do bolsonarismo/Bolsonaro. Porém, enfrentar o bolsonarismo, que tem projeto de ditadura, não pode significar defender essa democracia dos ricos. Ou ainda colocar essa pauta no centro como suposta explicação para capitular a um setor burguês, em torno do qual todas as demais pautas devem gravitar como minúsculos e insignificantes satélites políticos. Aliás, e é importante reconhecer isso, as massas, ainda que inconscientemente, estão à frente desses dirigentes, na compreensão desta realidade objetiva, justamente porque sentem na pele, no bolso e na barriga. A queda da popularidade de Lula se dá também pela percepção que se tem dele, não como defensor das liberdades democráticas, dos direitos básicos do trabalhador e da trabalhadora, mas de um regime responsável pela crescente pobreza da nossa classe.

São as instituições desta democracia (burguesa, repressora e opressora) as responsáveis pela miséria das massas, pela fome, subnutrição e pela concentração de riquezas em 3 dezenas de famílias burguesas no Nordeste. Enquanto isso, 71% da população da região vive em insegurança alimentar, ou seja, come hoje mas não sabe se comerá amanhã (os dados são da Rede Penssan). É através dessas instituições que somos atacados sistematicamente em nossos direitos e em nossas vidas sem sequer nos dar aquele tempinho pra hidratação. Quando não é Congresso, é o Senado. Quando não é o Senado, é o Executivo. Quando não é, o Executivo é o STF. Quando não é o STF, é o braço armado deste odioso regime, que esmaga quem vive na periferia, como se estivesse em campo de concentração.

Aliás, a violência é outro calcanhar de aquiles da impopularidade do PT no Nordeste. A região concentra metade das 50 cidades mais violentas do Brasil. O estado da Bahia e do Rio Grande do Norte, ambos governados pelo PT, seguem na ponta. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A polícia da Bahia é uma das mais violentas e racistas do Brasil, disputando palmo a palmo o topo da lista com a polícia do sanguinário governador de São Paulo, o bolsonarista Tarcísio de Freitas.

Não é hora para amadorismo político. Ao contrário do que apregoam os partidos da esquerda governista, é preciso enfrentar os ataques do governo Lula-Alckmin contra os trabalhadores e os oprimidos, para também enfrentar a ultradireita de maneira consequente. É preciso perguntar: a quem interessa o “teto de gastos” aprovado pelo Ministro Haddad? Isso joga a favor dos trabalhadores ou da burguesia? A quem interessa a privatização dos presídios? Aos negros, concentrados majoritariamente no Nordeste, ou a ultradireitista miliciana? Qual é o setor do campo envolvido no financiamento do 8J e atolado até o pescoço com práticas de trabalho escravo no Nordeste, os pequenos agricultores ou o agronegócio? Quem o governo Lula prioriza no Plano Safra, os pequenos agricultores, que são responsáveis por mais de 70% da comida que vai para a mesa do povo brasileiro, ou o agronegócio, que produz para exportação e não paga impostos?

Aqueles que menosprezam as questões objetivas para entender o nível de consciência das massas, também negligenciam os elementos objetivos que explicam o crescimento da ultradireita, que é a própria decadência do capitalismo, a recolonização do Brasil e, como parte desse processo, o rebaixamento do nível de vida da classe trabalhadora, principalmente no Nordeste, onde esse processo se dá de maneira mais acelerada. O pior de tudo isso, é que a ultradireita tende a crescer na região, não porque os trabalhadores sejam imbecis, desmotivados a defender a democracia, mas porque o governo Lula tem se demonstrado incapaz de reverter essa realidade objetiva, que é o chorume social por onde os vermes da ultradireita se proliferam. Para isso, o governo Lula já reativou o Matopiba e aumentou os recursos do Plano Safra para o agronegócio. Em relação ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) os mais beneficiados não serão os nordestinos pobres, mas o Ministério da Defesa. Isso mesmo, o setor responsável pela articulação da tentativa de golpe. No Maranhão, a comissão responsável pela aprovação da honraria a Michele Bolsonaro foi a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ-MA), composta majoritariamente por deputados do PSB. Na capital, São Luís, PT, PCdoB e PSB costuraram uma Frente Amplíssima com 11 partidos para disputar a prefeitura, onde coube, acredite, até o PL de Josemar Maranhãozinho e Bolsonaro. Jurar querer derrotar o diabo, aliando-se ao seu rabo, não é uma mentira convincente.

Ora, se cresce a fome e o desemprego entre os nordestinos, o que devemos propor? Geração de emprego ou defesa da democracia? Em que direção devemos defender isso e com qual politica? É possível reverter essa situação destinando mais verbas do Plano Safra para o agronegócio ou defender a sua expropriação? Ofertando mais isenções de impostos aos bilionários, ou taxando-os até a goela? Propondo a expropriação dessa gente ou apelando para o voto consciente e a defesa da democracia burguesa?

Ir na contramão da política macroeconômica do governo Lula é condição sine qua non para mudar este país e, inclusive, devolver a ultradireita aos bueiros da história. Por isso, a classe trabalhadora tem o direito politico e o dever moral de fazer forte oposição pela esquerda ao governo Lula sem deixar a perna tremer e a língua travar. É urgente arrancar desta realidade imediata e dramática as consignas que possam ser incorporadas a um programa que aponte como saída estratégica para nossa classe a destruição do capitalismo e da sua democracia pinga sangue.

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