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Lista de bilionários da “Forbes”: exemplo deplorável de como os abutres se fartam com a barbárie

Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

6 de maio de 2024
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Imagem iStock

Quando vi a versão 2024 da lista da revista “Forbes”, celebrando os que têm fortunas que excedem US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões), lembrei-me de uma entrevista com o líder negro norte-americano Malcolm X, em janeiro de 1965, na qual ele diz que o capitalismo, depois de agir como uma águia, rapinando o mundo durante as expansões colonial e imperialista, havia se tornado “mais covarde”, passando a agir “como um abutre”, que, para garantir seus privilégios, “suga o sangue dos desamparados”.

Na época, Malcolm se referia à reação do sistema às muitas revoluções, rebeliões e lutas que varriam o mundo e diversos setores da sociedade. Não por acaso, foi quando ele também concluiu que “não há capitalismo sem racismo”, entendendo que, como todas as demais ideologias opressivas, a discriminação racial cumpre um papel concreto para que milhões de pessoas se tornem as mais desamparadas dentre as já terrivelmente desemparadas.

Hoje, a instabilidade do sistema tem como pano de fundo a maior crise econômica desde os anos 1930 e a crescente polarização sociopolítica que aflora das disputas interburguesas e interimperialistas; dos conflitos regionais que se globalizam, como na Ucrânia e na Palestina; da imposição de níveis bárbaros de exploração, precarização do trabalho e confisco de direitos; das catástrofes sociais e ambientais; dos ataques aos setores historicamente marginalizados etc. etc. Mas, também, das lutas contra isto tudo.

Diferenças à parte, a lista da “Forbes” é um lamentável lembrete de que são momentos assim que escancaram, ainda mais, o caráter ultra desumano das aves carniceiras da burguesia, que encaram as tragédias provocadas pelas crises que eles próprios criaram como um incremento para seu macabro banquete e, já aninhadas em polpudas somas de dinheiro, mas temendo “perdas”, não medem esforços para arrancar até a última gota de sangue dos homens e mulheres que produzem toda riqueza.

É isso que explica que, num momento em que enormes parcelas das 8,2 bilhões pessoas que habitam o planeta sobrevivam com grandes dificuldades (quando não beirando a barbárie), a publicação norte-americana abra sua lista infame com a seguinte constatação:

Agora, há mais bilionários do que nunca: 2.781 no total, 141 a mais do que no ano passado e 26 a mais do que o recorde estabelecido em 2021. Eles estão mais ricos do que nunca, valendo US$ 14,2 trilhões [R$ 75 trilhões] no total, um aumento de US$ 2 trilhões [R$ 10,5 trilhões] em relação a 2023, e US$ 1,1 trilhão acima do recorde anterior, também estabelecido em 2021”, constatou a “Forbes”.

Mais ricos e parasitários do que nunca

De imediato, é preciso lembrar que os super-ricos vêm batendo recordes enquanto a humanidade atravessa um de seus períodos mais sombrios e trágicos, particularmente depois da pandemia de Covid-19, cuja principal consequência, para além das cerca de 7 milhões de vidas ceifadas, foi o brutal (e nunca recuperado…) rebaixamento nas condições de vida, renda, saúde, educação etc. da enorme maioria da população mundial.

Na verdade, as aves carniceiras vêm engordando sem parar apesar da crise de 2008, sempre usada como justificativa tentar convencer “os de baixo” de que é necessário “apertar os cintos” e se conformar diante de cortes nos serviços públicos, direitos sociais e trabalhistas etc.

O fato é que, enquanto isto, em números redondos, os abutres triplicaram seu peso: há 16 anos, havia 946 bilionários, com um total de US$ 4,4 trilhões (R$ 23 trilhões). Além disso, os 14 mais ricos dos atuais 2.781 (que a “Forbes” chama de “Clube dos US$ 100 bilhões”) viram suas fortunas aumentarem em 255% nos últimos 10 anos.

Se isto não bastasse, a grande maioria das fortunas está vinculada a setores da economia que estão a anos-luz da busca por satisfazer as reais e urgentes necessidades da humanidade. Além de bando um de herdeiros e herdeiras inúteis, que vivem de “rendas”, os podres de ricos fazem grana com as chamadas “Big Techs” (empresas de alta tecnologia, a maioria voltada para ao mundo digital); produtos de luxo; a manipulação do mercado financeiro; ou (em menor escala e com fortunas na “modesta” casa entre um a cinco bilhões de dólares), atuando na mídia, no entretimento e nos esportes.

O mais rico de todos, o francês Bernard Artaud, por exemplo, é dono da LVMH, que só produz artigos superluxuosos (joias, vinhos, moda, cosméticos e perfumes) de marcas como Louis Vitton, Christian Dior, Tiffany e Dom Pérignon, que lhe permitiram o acúmulo de US$ 233 bilhões (R$ 1,2 trilhões). Na sequência, vem os famigerados Elon Musk (“X”, ex-Twitter, Space X e Tesla) e Jeff Bezos (Amazon), respectivamente com US$ 195 e US$ 194 bilhões (pouco mais de 1 trilhão de reais, cada).

A lista dos “dez mais” continua com outros nomes das “Big Techs”, como Mark Zuckerberg (Meta, que controla o Facebook, o Instagram e o WhatsApp), Larry Ellison (Oracle), Bill Gates e Steve Balmmer (Microsoft), e Larry Page (Google), acompanhados de gente que só sabe “produzir” dinheiro, vivendo de ações e negociatas, como Warren Buffet; aqui no Brasil, dono do Nubank e sócio da quadrilha formada pelaa 3G Capital (aos quais voltaremos abaixo), com fortunas que vão de US$ 114 e 177 bilhões (R$ 600 ou R$ 930 bi).

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Quando comparados com o “resto” da humanidade, os números que cercam estes abutres são escandalosos. Basta lembrar, por exemplo, que de acordo o relatório “Desigualdade S.A.”, lançado pela ONG Oxfam, também em janeiro de 2024; hoje, o “1% mais rico do mundo tem 43% de todos os ativos financeiros globais”. Ou seja, detêm quase metade de tudo que possa ser transformado em dinheiro no mundo. E mais: seus rendimentos respeitam uma “lógica” inversa à da humanidade.

A riqueza combinada das cinco pessoas mais ricas do mundo – Bernard Arnault, Elon Musk, Jeff Bezos, Larry Ellison e Mark Zuckerberg – aumentou em US$ 464 bilhões [R$ 2,4 trilhões], ou 114%. No mesmo período, a riqueza total das 4,77 bilhões de pessoas mais pobres – que representam 60% da população mundial – diminuiu 0,2% em termos reais”, constatou o jornal “The Guardian”, em 15 de janeiro, cruzando os dados da Oxfam e da “Forbes”.

Decorrente disto, pesquisas como a do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUMA), publicada em março de 2024, revelam que há 783 milhões pessoas que simplesmente passam fome, cerca de 150 milhões a mais do que em 2019, no início da pandemia. Além disso, nada menos do que um terço da humanidade vive em algum estágio de insegurança alimentar (isto é, não se alimentam de forma ou na quantidade corretas).

Retornando a 2022, enquanto o mundo agonizava com a Covid, o Banco Mundial constatou que havia cerca de 700 milhões de pessoas (9,2% da população mundial) vivendo em níveis de “extrema pobreza”; ou seja, com uma renda inferior a US$ 1,92 (cerca de R$ 10) por dia. E como, para os abutres, miséria pouca é bobagem, outro 1,3 bilhão (26% da humanidade) vivia na “pobreza moderada”, com renda diária entre US$ 1,90 e US$ 3,20 (cerca de R$ 16,50), e outros 50% dos habitantes do planeta sobreviviam com US$ 6,85/dia (R$ 35, ou uma renda mensal de R$ 1.050).

Para ser ter ideia do isto significa, vale mencionar um cálculo feito, em fevereiro de 2024, pelo portal “Findbold”, tomando como exemplo um dos mais odiosos membros da lista da “Forbes”: “O bilionário do setor de tecnologia Elon Musk ganha cerca de US$ 6.887 por minuto; US$ 413.220, por hora; US$ 9.917.280, por dia; e US$ 69.420.960, por semana”. Em bom português Musk, que além de tudo usa sua fortuna para patrocinar e apoiar a extrema direita, ganha R$ 36 mil por minuto; R$ 2.169 milhões, por hora; R$ 52 milhões, por dia e R$ 364,5 milhões, por semana.

A gigantesca maioria dos 2.781 bilionários vive no Hemisfério Norte e se concentrem nos países que estão à frente da exploração imperialista e da recolonização do mundo. No topo, os Estados Unidos, com 813 bilionários, que acumulam US$ 5,7 trilhões (R$ 30 trilhões); seguidos pela inquestionavelmente capitalista China, com 473 super-ricos, com uma fortuna conjunta no valor de US$ 1,7 trilhões (R$ 9 trilhões).

Dentre os 54 países da África, só sete possuem bilionários, num total de vinte pessoas, dez delas localizadas na África do Sul (6) e na Nigéria (4). Com um detalhe: dos 20, apenas cinco são negros. Sobre a América do Sul, cada vez mais subalterna e recolonizada, sobrevoam apenas 87 abutres, sendo que a enorme maioria, 69, é de brasileiros; 27 a mais do que a lista anterior à pandemia, em 2018.

Concentração de bilionários no mundo

Os abutres com plumagem verde e amarela

No Brasil, juntos, os urubus têm um patrimônio líquido de US$ 230,9 bilhões (R$ 1,16 trilhão). O primeiro também é de uma “Big Tech”: Eduardo Saverin, da Meta, com US$ 28 bilhões (R$ 147 bi). Na sequência vem a banqueira-herdeira Vicky Safra, com US$ 20,6 bilhões (R$ 108 bi), e, depois, João Paulo Lemann, à frente da cervejaria AB InBev, da Kraft Heinz, do Burger King e uma lista sem fim de maracutais, como nas Lojas Americanas, incluindo em processos de privatização, como da Eletrobras, e acordos com o governo Lula, como no Ministério da Educação, que lhe renderam com US$ 16,4 bilhões (R$ 86 bi).

Acumulando uma fortuna conjunta de US$ 42,5 bilhões (R$ 222 bi), Lemann e seus comparsas da 3G Capital (Marcel Herrmann Telles, Carlos Alberto Sicupira e Alex Behring), estão todos entre os “10 mais brasileiros”, que também inclui banqueiros, como André Esteves (BTG Pactual, com US$ 6,6 bilhões, ou R$ 34 bi) e a família Moreira Salles (Itaú-Unibanco e mineração, com US$ 25,3 bilhões, ou R$ 132 bi, divididos entre quatro herdeiros).

Outro grupo que se destaca em nosso país é formado por donos de redes hospitalares e farmacêuticas, que viram suas fortunas se multiplicarem durante a pandemia, como Jorge Moll, da Rede D’Or São Luiz, que tinha US$ 2,2 bilhões em 2019; chegou aos US$ 11 bi, em 2021; e, agora, possui US$ 4,5 bi; e Maurizio Billi, da Eurofarma, cuja fortuna saltou dos US$ 1,1 bilhão (2019) para US$ 3,6 bi (2024).

Houve quem celebrasse que a mais jovem bilionária do planeta seja a brasileira Lívia Voigt, herdeira, de 19 anos, da WEG, indústria de motores e autopeças, com uma fortuna de US$ 1,1 bilhão (R$ 5,7 bi). Par nós, não há coisa alguma a comemorar.

Voigt é exemplo lastimável de farsas como a “meritocracia” e o “esforço pessoal”, pregadas pelos capitalistas, já que, sem nunca derramar uma gota de suor trabalhando, “ganhou” algo como R$ 763 mil por dia. Isso enquanto o salário médio dos trabalhadores e trabalhadoras da WEG é algo em torno de R$ 1.900 a R$ 2.500 por mês. E mais: como foi levantado pela companheirada do Rebeldia, com a fortuna da jovem herdeira, daria para construir 65 mil moradias populares, 3,7 mil escolas, 7 mil escolas ou criar 1,8 milhão de empregos.

Contudo, segundo a “Forbes”, o que muitos dos bilionários brasileiros têm em comum é o fato de que “suas fortunas estão ligadas ao agronegócio e suas cadeias alimentares”. Esse grupo é formado por 18 endinheirados, com um patrimônio líquido de US$ 67,5 bilhões (R$ 350 bi) – com os trambiqueiros da 3G Capital detendo 62,9% deste total –, o que, ainda, corresponde a cerca de 30% da fortuna dos 69 brasileiros na lista.

Enquanto o “agro que é podre” se farta em seu banquete obsceno, dados do Instituto Fome Zero, referentes ao quarto trimestre de 2023, revelam que nada menos que 45 milhões de brasileiros e brasileiras mal sobrevivem, estando em situação de insegurança alimentar “moderada” (20,7% da população total) ou “grave” (9,2%, ou 20 milhões, dos habitantes). Ou seja, mal comem ou literalmente passam fome.

E como fome e miséria caminham lado a lado; enquanto 69 urubus acumulam mais de R$ 1 trilhão, segundo o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, em base a dados do IBGE, em 2023 cerca de 8,9% da população brasileira (ou seja, 17 milhões de pessoas), vivia em pobreza extrema (com rendimentos médios mensais abaixo de R$ 300). Já dados do IBGE do final de 2022 indicam que, naquele ano, cerca de 30% dos habitantes, ou 60 milhões de pessoa, vivia na pobreza (com renda mensal até cerca de R$ 670)

É se é um fato que, entre 2022 e 2023, houve uma redução no número dos extremamente pobres e famintos, o que tem a ver tanto com o final da pandemia quanto com recomposição das políticas de complementação de renda, também é verdade que o Brasil está muitíssimo longe de “zerar” a fome ou acabar com a pobreza até 2030, como o governo Lula promete. Algo evidente tanto pela dinâmica nacional quanto a mundial.

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A certeza disto é dada pela própria existência da lista, como constatado pela Oxfam: “Se as tendências atuais se mantiverem, o mundo terá o seu primeiro trilionário dentro de uma década, mas a pobreza só será erradicada daqui a 229 anos”. Números que, em primeiro lugar, indicam a impossibilidade de que a humanidade tenha qualquer perspectiva de um futuro digno enquanto estes abutres continuarem devorando as riquezas do mundo à custa do sofrimento de bilhões.

E mais: também atestam o verdadeiro crime que é vender a ilusão de que seja possível construir um “capitalismo com face humana” ou de fazer “reformas” neste sistema, como defendem os que pregam a conciliação de classes, como o PT de Lula, seus aliados e similares mundo afora.

Afinal, qual é “conciliação” possível com estes abutres? Quem acredita que eles, algum dia, estarão dispostos a abrir mão de seus privilégios? Nenhuma e nunca são as únicas respostas realistas e honestas. Por isso, a única saída para a humanidade começa pelo confisco destas fortunas, pelas estatização e controle operários dos meios de produção que as garantem e, consequentemente, a construção de uma sociedade que faça valer um importante ensinamento de Rosa Luxemburgo: “um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.