O Brasil não precisa da PM. Os pretos não precisam de PM. Os soldados da PM não precisam ser PMs!

Há alguns dias o perfil no Instagram do 9° Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), de São José do Rio Preto e Região, de São Paulo, postou um vídeo da formatura de policiais em que os mesmos se encontram com o braço em riste na altura do ombro perante uma cruz em chamas. Em um mesmo vídeo, dois gestos supremacistas: a cruz em chamas, simbolizando a Ku Klux Klan; e o braço em riste, o nazismo. Depois da repercussão negativa, o vídeo foi retirado do ar e o Comando da Polícia Militar (PM) publicou nota dizendo que os policiais teriam dez dias para se explicar. Explicar o quê? Precisa desenhar?
Esse vídeo foi postado alguns dias depois da divulgação de um relatório que mostra o crescimento em 120% das mortes de crianças e adolescentes decorrentes de intervenção policiais em São Paulo e quatro dias desta mesma PM ter assassinado com um tiro no peito o trabalhador ambulante senegalês, Ngange Mbaye, na região do Brás.
Não importa se o vídeo já foi retirado do ar, o objetivo foi alcançado: mostrar que uma parte do Alto Comando da PM de São Paulo flerta com o supremacismo branco e com a naturalização do genocídio negro.
Tudo o que te falaram de PM, violência e segurança pública foi criado dentro de um saco de risadas
Alguma vez já te falaram que quanto mais PMs nas ruas mais violento fica um Estado? Certamente que não. O que nos vendem como política de segurança pública é justamente o oposto. Somos induzidos a acreditar que, para reduzir a violência, tem que ter mais e mais polícia nas ruas e dentro dos nossos bairros. Lamento te dizer, mas os dados estatísticos do próprio Estado brasileiro mostram que quanto mais PMs, mais casos de homicídios são registrados.
Isso mesmo: de acordo com o Monitor da Violência, dos seis estados mais violentos do ranking brasileiro, cinco têm mais policiais que a média nacional: 7,9 por 100 mil habitantes. São eles: Amapá (45,2 mortes por 100 mil), Alagoas (36,2 homicídios por 100 mil), Amazonas (34,1 por 100 mil), Bahia (34,3 por 100 mil) e Ceará (33,8 por 100 mil). Já os estados com as menores taxas de homicídios são justamente aqueles que registram menor percentual de PMs por habitante.
Mas, aí você pode ser levado a tirar a seguinte conclusão: se um Estado não é violento, é óbvio que ele não precisa aumentar o contingente de PM. Se você pensar assim, lamento novamente a te dizer: você está redondamente errado, apesar de ser essa a versão que a imprensa, os políticos e o próprio alto comando das forças policiais nos empurram cérebro a dentro, sem nos dar tempo para raciocinar.
O que está comprovado é que à medida que aumenta o contingente de policiais, os casos de homicídios tendem a crescer, não apenas pelo crescimento da letalidade de intervenções policiais, mas porque o crime tende a se expandir. Mas como assim? Existe uma série de fatores que explicam essa “irracionalidade”, mas vamos mostrar três deles que se combinam.
O primeiro é o endurecimento da legislação penal, que transfere cada vez mais poderes para a PM matar, inclusive pessoas inocentes.
O outro, como decorrente deste, é o envolvimento cada vez maior de PMs no crime organizado, o que pode tá criando uma burguesia lumpen no interior da própria corporação. Daí que já não se trata mais só do policial corrupto, mas sim de grupos de policiais e ex-policiais que enriqueceram com o crime organizado. Aqui, policiais deixam de exigir propinas aos traficantes, para disputar o mercado do tráfico de drogas, de armas e os territórios. Foi assim que surgiu o “Comando Azul” no Rio de Janeiro, a facção de PMs.
Bem armados e com capital de giro, vem o terceiro elemento: a participação de milicianos no parlamento e em outras estruturas do Estado brasileiro. Como já falamos: não se trata apenas de funcionários públicos corruptíveis, mas de poderosos parlamentares e patrões do submundo do crime.
Diante da sensação de insegurança, produzida em parte por esse processo descrito acima, parcelas cada vez maior da população são ganhas para o discurso de que “bandido bom é bandido morto”, e isso se encaixa como uma luva nos objetivos desses grupos: matar pretos e pobres. Isso porque a PM não foi criada para garantir a segurança pública, essa não é a sua natureza, por mais que existam policiais que estejam nessas corporações imbuídos desse sentimento.
Foi matando que Guilherme Muraro Derrite, ou simplesmente Capitão Derrite, chegou a Secretaria de Segurança Pública do estado São Paulo. Ali não se trata apenas de um secretário linha dura, mas de um criminoso com perfil psicopata. Sim, foi assim que Derrite foi classificado pelo próprio Batalhão de Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), que o impediu de fazer parte desta corporação porque seus comandantes alegaram que o currículo policial de Derrite tinha sangue demais. Ele só foi aceito em 2009 quando o coronel Paulo Adriano Telhada, com perfil e histórico similar ao de Derrite, assumiu o comando da Rota. E mesmo assim, quatro anos depois Derrite foi afastado da Rota por causas de novos homicídios.
Dois anos depois, ao dar curso para soldados vazou uma mensagem em que Derrite dizia ser “vergonhoso” que um policial com mais de 5 anos de corporação não tenha matado pelo menos três pessoas. Sim, foi esse matador que o governador Tarciso de Freitas (Republicano) nomeou para a Secretaria de Segurança Pública a pedido Flávio Bolsonaro. Continua em dúvidas sobre os motivos que encorajaram a postagem do vídeo racista na página do Baep de São José do Rio Preto?

Imagem do vídeo postado no Instagram do 9° Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep)
O descontrole da Polícia é proporcional aos interesses da sua burguesia e seus governos
Muito estudiosos sérios sobre segurança pública, como Bruno Paes, que defendem a tese de que quanto mais PM mais homicídio, algo que os próprios dados confirmam, e que nós temos acordo, concluem, entretanto, que isso ocorre porque o Estado perde o controle sobre as ações dos PM que acabam sendo tragado para o crime organizado. Na opinião dos mesmos, quanto menos PMs e mais qualificada for a corporação, mais fácil será o seu controle e menor serão os casos de homicídios.
Bom, em nossa opinião essa conclusão comete o erro de acreditar que o Estado existe para promover o bem-estar social geral, garantir a igualdade de direitos, e não como uma instituição controlada pelos grupos econômicos que controlam o país, incluindo aí o crime organizado.
A forma como a burguesia brasileira trata a questão da segurança pública pode parecer irracional, mas não é. Isso é uma necessidade para manter o controle político sobre os mais pobres, de fazer das periferias brasileiras campos de concentrações para acuar a classe trabalhadora que por lá habitam. A classe trabalhadora fica espremida entres as forças repressivas do Estado, a do tráfico convencional e a das milícias, o que cria vários obstáculos para seu processo de organização e mobilização política. Acrescenta-se a isso o fenômeno do “traficrentes”, que é a relação cada vez mais estreita entre as milícias, o tráfico e as igrejas neopentecostais.
Em nossa opinião, é o controle que a burguesia exerce sobre o Estado que gera esse processo e não a falta de controle deste mesmo Estado sobre a PM. O Capitão Derrite não foi convidado a assumir a Secretaria de Segurança Pública do Estado mais poderoso do Brasil por acaso. Ele foi empossado para fazer justamente o que estava fazendo, ou seja, transformando São Paulo num Rio de Janeiro com grupos milicianos controlando cada vez mais os bairros periféricos e, agora, com demonstração de supremacismo branco.
Quem então deve controlar a Polícia?
Se, como vimos, o descontrole da PM não é um produto da falta de controle do Estado sobre essa corporação, então o que propor para resolver o problema?
A PM é uma instituição subordinada ao Exército. Ela foi criada durante a ditadura militar com o objetivo claro de combater os “inimigos internos”: a classe trabalhadora e os negros.
Foi uma instituição criada para matar, como parte da Doutrina de Segurança Nacional e da Política de Segurança Nacional e continua sendo subordinada à cúpula dessa instituição, que é a mais golpista da história das Américas. É preciso desvincular, de uma vez por todas, a polícia do alto comando do exército. Esse seria um passo importante e democrático que, infelizmente, Lula e o PT se negam a dar. O Brasil continua sendo um dos poucos países com PM.
O outro passo, que é o mais importante, é o de submeter as polícias ao controle popular. A polícia não pode agir de acordo com os interesses dos mais ricos e de psicopatas. A segurança da maioria da população não pode ser decidida por uma minoria encastelada em condomínio de luxo, que anda de carro blindado e cercada de seguranças privados. Esse é o perfil do alto comando do exército e da polícia militar.
Até a causa principal das mortes dos PMs não é produto de confronto, mas de suicídio, em primeiro lugar, e em serviço ou folga em segundo lugar. Isso porque a baixa patente reflete os problemas da classe trabalhadora, enquanto a alta patente reverbera os interesses de uma burguesia racista e cada vez mais supremacista.
A população pobre e negra é que tem que decidir onde e como a polícia tem que atuar. O seu descontrole e letalidade decorrem da total separação entre os policiais e a população. Os seus comandantes são brancos e burgueses, a maioria da população é preta e pobre, tal como entre os praças Então, não será possível existir controle das ações da polícia se ela não estiver subordinada e a serviço da classe trabalhadora, caso contrário, o que veremos daqui por diante serão mais cruzes em chamas, mais braços em riste e mais negros e pobres assassinados, inclusive os da própria corporação.
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