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Os brasileiros nada têm a ganhar com o crescimento do Chega em Portugal

A extrema direita representa em seu discurso e sua prática o que há de mais atrasado na sociedade. Pretende atacar ainda mais os direitos, reforçando a exploração e sobretudo a superexploração dos imigrantes, para garantir os lucros dos ricos que representam

Joana Salay, de Portugal

15 de março de 2024
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Foto: Amanda Lima / Agora Europa

A notícia do primeiro deputado brasileiro eleito para o parlamento português teve impacto, não só em Portugal, mas também no Brasil. Marcus Santos, homem negro de 45 anos, foi eleito pelo Chega pelo círculo do Porto. Sendo a comunidade brasileira a maior entre os imigrantes em Portugal, o que ganham estes imigrantes com o crescimento do Chega? Afirmamos, desde já, que nada têm a ganhar e muito têm a perder.

400 mil brasileiros em Portugal e subindo

Brasileiros ou não, os setores imigrantes são parte fundamental da mão de obra em Portugal, levando a que alguns setores da economia tenham quase 50% de mão de obra imigrante, como a agricultura, pecuária e pesca. Já existem até empresas de terceirização que procuram trabalhadores(as) no país de origem para trazê-los(as) para Portugal com contrato de trabalho. Por isso, o crescimento da imigração precária interessa a diversos setores da economia portuguesa e é parte dos problemas sociais do país.

Em 2013, de acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a comunidade brasileira em Portugal era composta por 92.120 pessoas, sendo já a principal comunidade estrangeira residente. Em 2022 esse número passou para 239.744 e em 2023 já eram 393.000, com maior concentração nos concelhos de Lisboa, Cascais, Sintra, Porto e Braga. O salto entre 2022 e 2023 explica-se pelo aumento da imigração, mas também pela facilitação no processo de regularização dos brasileiros estabelecido pelo governo.

É importante ressaltar que esse número não inclui pessoas com dupla nacionalidade, que são também centenas de milhares. Só entre 2010 e 2020, 400 mil brasileiros conseguiram a nacionalidade portuguesa e estes, residentes ou não, podem votar nas eleições legislativas portuguesas. Já os que têm apenas a residência, podem pedir o estatuto da igualdade e participar das eleições, desde que residam em Portugal há mais de 3 anos.

Assim, estamos a falar de um número próximo de 800 mil pessoas, como mínimo, que poderiam ter uma participação decisiva no processo eleitoral português, que tem um total de cerca de 10 milhões de eleitores residentes e 1 milhão e 500 mil não residentes.

Como vivem os brasileiros em Portugal?

O imigrante brasileiro que vem para Portugal, em geral, procura melhores condições de vida e mais segurança. A degradação social que vem vivendo o Brasil levou a um crescimento de 35% do número de emigrantes entre 2010 e 2020, sendo que Portugal é um dos principais destinos.

As características da imigração brasileira são muito heterogêneas, com diferentes condições econômicas e sociais. Existe um pequeno setor de classe média alta, que vive o sonho da imigração que se popularizou nas redes sociais e consegue manter um padrão de vida de qualidade. Porém, a maior parte dos imigrantes brasileiros, vem para cá em condições precárias e sem condições de trabalho, ainda que possam ter formação superior. Por isso, existem dois tipos de “empreendedores” entre os imigrantes brasileiros, os que têm dinheiro para verdadeiramente investir e a ampla maioria que vai trabalhar, por exemplo, nas plataformas de aplicativos sem contratos, sem seguridade social e com exaustivas horas de trabalho.

Essa desigualdade se demonstra muito nitidamente na superação da burocracia para a regularização dos imigrantes. Apesar de um setor conseguir rapidamente a sua regularização como residente ou já vir até mesmo com nacionalidade, um número muito vasto de imigrantes demora anos a conseguir se regularizar, mesmo tendo contrato de trabalho. A facilitação feita pelo governo do PS para os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP ) não é considerada como documento em diversas situações, inclusive pelo próprio Estado. A falta de documentos deixa os imigrantes excluídos de uma série de direitos, dificulta o acesso à saúde e expõe a condições mais precárias de trabalho.

Os brasileiros mais pobres são também atingidos pela forte crise na habitação que atravessa as cidades portuguesas. Um motorista de aplicativo, se trabalhar em 3 plataformas diferentes, pode conseguir em média 1000 euros, sem os descontos. Para arrendar uma casa com dois quartos em Lisboa teria de pagar mais de 1500 euros, e se for para os arredores de Lisboa, pagaria cerca de 700/800 euros. Essa situação impõe aos brasileiros, e imigrantes no geral, situações precárias de habitação, como a coabitação por várias famílias, chegando a situações de divisão de quartos ou até mesmo de camas, onde enquanto um dorme o outro trabalha.

Para além da precariedade e do trabalho intenso, a xenofobia cresce em Portugal acompanhada da crise social e do aumento do discurso de ódio. O número de crimes de ódio em Portugal aumentou 38% em 2023, em comparação com o ano anterior, sendo cada vez mais presentes os casos de agressão física ou verbal a imigrantes que tanto viralizam nas redes sociais. Mas, quem vive em Portugal há mais tempo sabe que a xenofobia não é algo novo e que todo imigrante brasileiro já viveu situações de opressão. O desprezo pelo português do Brasil, como língua inferior, as dificuldades burocráticas nos serviços, a objetificação da mulher brasileira, a dificuldade em conseguir contratos de aluguel de casas, entre muitos outros exemplos.

Estamos perante a possibilidade de um novo governo da direita com um peso grande da extrema-direita no parlamento, mas não podemos esquecer das responsabilidades políticas dos que governaram até aqui. O PS, que governou durante 8 anos seguidos, sendo que 6 deles foi com a sustentação parlamentar do BE e PCP, aprofundou a entrega do país aos desmandos da União Europeia (UE), transformando Portugal em um país do turismo, com mão de obra barata e um custo de vida muito caro. Este projeto de país atinge ao conjunto da classe trabalhadora e do povo pobre mas, como vimos, atinge ainda mais os imigrantes que vivem em Portugal.

Quais as propostas do Chega para os brasileiros?

O Chega aproveitou-se do peso eleitoral da imigração brasileira para fazer campanha, até Bolsonaro gravou um vídeo chamando o voto em André Ventura. Mas o que propõe o Chega para solucionar os problemas dos imigrantes brasileiros?

Em seu programa apresentado para as eleições legislativas de 2024, o Chega trata o problema da imigração como uma questão de controle de fronteiras e atribui aos imigrantes a culpa pelos problemas de segurança, de habitação e dos serviços públicos. Por isso, no tema da imigração, a sua política principal é impedir a chegada de mais imigrantes, retirando direitos até dos que já estão aqui. O Chega propõe acabar com a autorização de residência automática aos imigrantes da CPLP e alterar a Lei da Nacionalidade, dificultando ainda mais a regularização.

André Ventura insiste em afirmar que os imigrantes são “subsidiodependentes” (dependentes de apoio do Estado), apesar de saírem constantemente dados que confirmam que os imigrantes contribuem mais com a Previdência Social do que usufruem, e por isso propõe “regulamentar o acesso a apoios sociais, definindo como período mínimo de 5 anos a contribuição para o Estado Português antes de poder usufruir de qualquer tipo de benefício.” Ou seja, o imigrante só teria direito à licença médica, aos apoios à família e seguro desemprego, depois de contribuir durante 5 anos com a previdência social, não bastassem os 1600 milhões de lucro da previdência social garantidos pelos imigrantes no ano de 2022, André Ventura quer ainda mais.

Para além dos ataques voltados diretamente aos imigrantes, o Chega pretende retirar direitos à classe trabalhadora de conjunto. Propõe igualar as escolas públicas às escolas privadas, a saúde pública à saúde privada, a previdência social pública à privada, dando mais dinheiro do Estado para os ricos e fazendo com que quem trabalhe pague ainda mais pelos serviços e receba ainda menos pela previdência social. Se para o imigrante já é difícil o acesso à saúde, com as propostas do Chega ficaria pior.

Por fim, o populismo de André Ventura vai ao cúmulo de prometer barrar o presidente do Brasil no aeroporto de Lisboa caso Lula viesse para as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Nós não defendemos a presença de Lula na comemoração da revolução. No Brasil,  Lula é hoje o principal representante da classe burguesa e seu regime. Representa, internacionalmente,  a mesma classe social que ajudou a derrotar a revolução portuguesa. Revolução que o próprio André Ventura aponta como o principal problema da história do país. Mas o que está em discussão é a proibição do presidente brasileiro de entrar em Portugal, a que interesses isso serve? Para os imigrantes brasileiros justifica-se a ameaça de uma crise diplomática com o Brasil apenas por populismo? Claro que André Ventura faz uma promessa que sabe que não teria de cumprir, uma vez que não será o primeiro-ministro no dia 25 de abril de 2024, como especificou em seu discurso, mas esta postura só demonstra que André Ventura desrespeita os brasileiros e não se importa se estarão em piores condições.

O grande problema do Chega é que, se alimentando de descontentamentos reais, faz um discurso populista para disfarçar o seu programa de retirada de direitos e medidas antidemocráticas. André Ventura culpa os imigrantes pela crise social em Portugal, para poder desculpabilizar o sistema e os seus amigos. Os financiadores do Chega não são os “negligenciados” que supostamente representa, mas sim os super-ricos que buscam preservar seus privilégios e ampliar seu controle sobre o Estado, são indivíduos e grupos empresariais que lucram com políticas neoliberais e autoritárias, às custas dos direitos e bem-estar da classe trabalhadora. O Chega é financiado por super-ricos como Champalimaud, Carlos Barbot, Miguel Félix da Costa (da Castrol), João Maria Bravo (da Sodarca), entre outros. Por isso defende mais PPPs e vistos gold (autorização de residência automática para quem investir um dinheiro considerável em Portugal), dando mais espaço para a corrupção e benefícios aos ricos, quando ataca os imigrantes e o povo pobre. Por esta mesma razão defende continuar na UE, aceitando as suas regras e imposições que impedem uma verdadeira mudança do país.

A xenofobia de André Ventura e do Chega é expressão do quanto são parte do sistema e aliados aos super-ricos. Quando Marcus Santos, o primeiro deputado brasileiro no parlamento português, diz que não vai representar os brasileiros no parlamento e sim os portugueses, está a dizer que vai dedicar o seu mandato para privilegiar ainda mais os ricos e poderosos. Desta maneira, coloca o centro do seu discurso no controle da imigração afirmando que “para aqueles que vêm para cá viver de subsídios ou cometer crimes em Portugal, esses que voltem pras suas terras”, com o discurso mais xenófobo que tantas vezes já ouvimos. Marcus Santos opta por assumir o papel de capitão do mato (os negros livres que, em troca de dinheiro, capturavam e devolviam aos senhores os escravizados que fugiam) e atacar os imigrantes para defender os seus amigos milionários.

Quem são os aliados dos imigrantes brasileiros?

A extrema-direita representa em seu discurso e sua prática o que há de mais atrasado na sociedade. Pretende atacar ainda mais os direitos, reforçando a exploração e sobretudo a super exploração dos imigrantes, para garantir os lucros dos ricos que representam. Por isso, nem o Chega, nem Marcus Santos, nem André Ventura, podem ser aliados dos imigrantes brasileiros, principalmente os mais precários. Tampouco os governos anteriores (PS e PSD/CDS) resolveram a situação de precariedade dos imigrantes, pelo contrário, acentuaram a falta de direitos para garantir a mão de obra barata que lhes convém. O fato de ser o Chega a eleger o primeiro deputado brasileiro também muito diz daqueles que dizem estar ao lado dos imigrantes, mas não se dedicam seriamente em os representar. Acabam por deixar ser o Chega a ocupar de maneira hipócrita o descontentamento daqueles que não vêem seus direitos defendidos e tampouco se veêm nesta democracia dos ricos.

Apesar do Chega fazer um discurso antissistema, Chega, PS e PSD são parte dos projetos da burguesia para oprimir e explorar ainda mais a nossa classe, mas também não são o mesmo. O Chega é o reflexo mais acabado da decadência do capitalismo e da democracia portuguesa, é um projeto reacionário que pretende voltar suas forças contra os imigrantes e os mais oprimidos e explorados e por isso precisa ser derrotado. PS e PSD são a continuidade da crise que nos trouxe até aqui e, ainda que dizendo combater o Chega e defender a democracia, justamente por serem representantes da burguesia, aprofundam os problemas sociais e políticos que dão base para o fortalecimento do Chega.

Por isso afirmamos que os(as) imigrantes trabalhadores(as) em Portugal têm muito mais em comum com a classe trabalhadora portuguesa que também é explorada e também sofre com a crise social que assola o país, do que com os brasileiros ricos que se aliam aos interesses da burguesia portuguesa.

A saída é construir uma alternativa que defenda os interesses dos imigrantes, sem alimentar esperança na aliança com aqueles que vivem da exploração. Ao mesmo tempo em que é responsabilidade das direções dos movimentos sociais, sindicais e políticos, que se propõe a ser alternativa política, construir um espaço de combate à xenofobia e ao racismo dentro da classe trabalhadora garantindo a organização e a representação dos imigrantes.

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