Lutas

Resposta a ajuste fiscal: Greve do funcionalismo federal se enfrenta com o governo Lula

Paulo Barela, da CSP-Conlutas

17 de abril de 2024
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É necessário ampliar a greve para um movimento geral dos setores federais | Foto: CSP-Conlutas

Os servidores públicos federais estão se levantando em mobilizações em todo o país. O setor da Educação federal está realizando uma forte greve, que teve início no dia 11 de março, com a entrada dos técnicos administrativos das universidades federais. Na esteira desse processo, no dia 3 de abril, os técnicos e docentes dos Institutos Federais de Ensino também entraram em greve.

Esses dois movimentos estão pressionando a entrada dos docentes das universidades nas mobilizações e há um indicativo, aprovado pelo Setorial das Federais do Andes-SN (sindicato nacional dos docentes), para iniciar uma paralisação no dia 15 de abril. Além disso, estão ocorrendo processos de paralisações pontuais e de operação-padrão em outros setores, como na Fundação Nacional do Índio (Funai) e em áreas de arrecadação e fiscalização alfandegária.

O movimento que se desenvolve no setor é uma resposta dos trabalhadores e trabalhadoras ao reajuste-zero em 2024, definido pelo governo Lula/Alckmin para sustentar uma política de déficit zero, estabelecendo um teto de gastos para as políticas públicas, via Arcabouço Fiscal, e fazendo a ameaça de realizar uma nova Reforma Administrativa. Tudo isto submetido ao pagamento rigoroso da dívida pública, que consome quase a metade da arrecadação da União.

Um pouco da história recente

Os servidores federais foram os primeiros a romper com o governo Lula, em 2003, em virtude da Reforma da Previdência que atingiu conquistas históricas da categoria. A ruptura foi tão forte que, dentro do processo de enfrentamento na época, surgiram duas organizações alternativas ao PT e a CUT, como o PSOL e a CSP-Conlutas.

Esse divórcio litigioso se estendeu por muitos anos e foi atravessado por importantes ações da categoria. Dentre elas, houve, em 2012, a maior e mais radicalizada greve já realizada pelos federais, que arrancou conquistas importantes, impondo uma derrota ao governo Dilma.

Mas, a partir de 2016, com o impeachment de Dilma, seguido por dois anos de governo Temer (MDB) e os quatro anos de Bolsonaro, o PT e a CUT, contando com a capitulação de setores que surgiram no processo de 2004 (o PSOL, especialmente) foram aos poucos recompondo sua influência dentre os servidores federais. Embora uma parte do funcionalismo tenha apoiado Bolsonaro em 2018, em rechaço à política petista, é um fato inquestionável que o PT conseguiu retomar a direção política do movimento.

Isso se expressou, sobretudo, na eleição de 2022, após a experiência com o governo de ultradireita e os violentos ataques impostos sobre a categoria, através da retirada de direitos e cortes no orçamento, mas também pela atuação desastrosa em relação à pandemia, que ceifou centenas de vidas de servidores públicos. Frente a essa realidade, os servidores federais apoiaram a eleição de Lula já desde o primeiro turno.

 Expectativa e realidade frustrada

A expectativa dos trabalhadores era que o novo governo petista promovesse a valorização do serviço público, a recomposição das perdas históricas e a restruturação das carreiras. Todavia, já no primeiro ano, o governo Lula/Alckmin demonstrou que não atenderia essas expectativas, concedendo apenas 9% de reajuste (a partir de maio/2023), quando a reivindicação da categoria era de uma reposição emergencial, de 26,94%.

Importante registrar, também, que o montante previsto no orçamento para essa recomposição foi encaminhado pelo ex-Ministro da Fazenda Paulo Guedes, ainda em 2022. O novo governo petista, portanto, não avançou nenhum milímetro em relação à peça orçamentaria original. Nas mesas de negociação, eles argumentavam, inclusive, que, por não ser “o seu orçamento”, não teriam como avançar, prometendo melhorias para o ano seguinte.

Decepcionados, mas ainda apoiando o governo, que por sua vez contava com a subserviência da maioria das direções das entidades, os servidores engoliram o arrocho salarial sem uma reação mais forte. Contudo, a partir daí, a desconfiança com o governo e de sua política para o serviço público só aumentou.

Manifestação em Brasília no dia 17 de abril | Foto: CSP-Conlutas

Arrocho salarial e reação

Ampliar a greve para um movimento geral dos setores federais

Neste ano, apesar das limitações políticas impostas pela burocracia, o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) se viu obrigado a ser mais ofensivo na cobrança de um orçamento que garantisse uma recomposição salarial em patamares mais próximos aos números das perdas históricas.

Ainda assim, definiram, por maioria, mas sem o aval da CSP-Conlutas, compor o índice de reposição a partir de 2016 (governos Temer e Bolsonaro), excluindo as perdas dos governos petistas, que recuavam até 2010. Contudo, apesar de rebaixarem a proposta, o governo a desconsiderou e apresentou uma proposta de reajustes nos benefícios sociais (refeição/alimentação, saúde e creche), decretando reajuste salarial zero.

A proposta do governo, no termo de acordo para reestruturação das carreiras, é dividida em parcelas, que vão se ater aos limites dos 9% em dois anos, segunda a própria Esther Dweck, ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Consolida-se, dessa forma, uma política de acumulação de perdas, uma vez que a inflação de 2023 chegou 4,62% e a expectativa para esse ano, assim como para 2025 e 2026, é de 4,5% ao ano. Ou seja, a proposta do governo mal vai repor a inflação do período e não chega nem perto de recompor as perdas acumuladas desde 2010, que são de mais de 50% para a maioria das categorias.

Por isso, nossa posição é que de não devemos assinar nenhum termo de compromisso que contenha reajuste zero. O governo pode garantir o reajuste dos benefícios e instalar as mesas de discussão dos planos de carreiras via portaria. Temos que seguir a greve e as mobilizações pelo reajuste salarial.

Direções sindicais pressionadas

Ao definir o reajuste zero, o governo acirrou a indignação dos servidores, pressionando as direções sindicais, principalmente nos setores mais pauperizados da categoria, como os técnicos administrativos das universidades e institutos federais, a buscarem uma resposta.

Ainda que a política dessas direções, no geral, fosse de manter as reivindicações no terreno exclusivo das mesas de negociação permanentes, elas acabaram sendo derrotadas nas plenárias nacionais da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas (Fasubra) e do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe).

Assim, essas direções tiveram que se localizar e chamar a greve, para evitar perder o controle sobre a base das categorias. Mesmo no Andes-SN, a política da direção não era de chamar a greve para esse período. Ao contrário, em seu Congresso Nacional, a direção dos docentes propôs uma resolução genérica de greve, sem marcar o período, que foi derrotada por outra proposta de greve ainda no primeiro semestre, apresentada pelos setores de oposição, ligados à CSP-Conlutas.

Agora, na esteira das greves em curso, a direção do Andes-SN se viu obrigada a rever sua política, indicando o início da greve para 15 de abril.

Jornada de lutas

Neste momento, a greve está muito forte e radicalizada. Quando fechávamos esta edição do Opinião Socialista ocorria a Jornada de Lutas e uma marcha em Brasília.

Essa greve tem uma enorme importância, na medida em que se enfrenta com a política e o programa do governo Lula, que se constitui como uma Frente Ampla, para defender os negócios da burguesia. E, para isso, ataca os servidores e o serviço público.

Não podemos dizer que, de conjunto, o funcionalismo federal está rompendo com o governo. Mas, podemos afirmar que os sinais do fim da lua de mel com o PT estão objetivamente expressos nessa luta. Nesse sentido, é preciso avançar na mobilização e ampliar a greve para um movimento geral dos trabalhadores e trabalhadoras federais.

Lembrando, ainda, que outras categorias estão se levantando na Educação Básica, contra o Novo Ensino Médio (NEM) e por suas reivindicações específicas, como greves municipais que estão ocorrendo em várias cidades neste momento.

Ato dos servidores contra reajuste zero do governo e em defesa dos serviços públicos, no dia 17 de abril em Brasília

Não à chantagem do PT

Construir a unidade para lutar e buscar uma alternativa para a classe trabalhadora

Além de reafirmar sua política de reajuste zero, o governo ainda exige que as entidades assinem um acordo para garantir as migalhas oferecidas através da recomposição nos benefícios sociais. Ao mesmo tempo, quer impor a fragmentação das negociações por setores e, ainda, ameaça aqueles e aquelas que estão em greve, afirmando que não haverá sequer esse tipo de negociação.

Ou seja, o governo Lula/Alckmin chantageia, por um lado, tentando impor o aval das entidades à sua política de arrocho e, por outro, avançando em práticas antissindicais, buscando a divisão e o enfraquecimento do movimento.

É preciso expandir, intensificar e generalizar a greve

A resposta que os servidores devem dar para esse governo dos poderosos e ricaços é expandir e intensificar a greve. Apenas a unidade, a força e a luta podem derrotar o governo e sua política de arrocho e desprezo às necessidades e reivindicações dos trabalhadores.

Isso começa por fortalecer a Jornada de Lutas, de 16 a 18 de abril, em Brasília. É preciso intensificar a organização dos ônibus e o recrutamento do maior número possível de ativistas, para garantir uma forte presença do funcionalismo na capital federal.

O PSTU está na linha de frente desse importante movimento, atuando com sua militância para avançar na organização da greve e na expansão do movimento, transformando a greve, que hoje está localizada na Educação federal, para um movimento nacional e generalizado, em todas as categorias do funcionalismo.

Mais do que lutar por suas reivindicações imediatas, é preciso que o movimento questione suas direções e a política de “proteger” um governo que só serve aos interesses da burguesia. É preciso enfrentar o governo com firmeza, denunciando que ele não atende aos servidores, mas garante bilhões para o agronegócio, para o pagamento da dívida pública e para dar subsídios bilionários aos empresários nacionais e estrangeiros.

O argumento de não há ver dinheiro é falacioso. O dinheiro existe, mas está comprometido com os interesses dos ricos e poderosos. Lula governa para a burguesia e garante os lucros dos capitalistas, à custa do sofrimento e da pobreza dos trabalhadores e trabalhadoras.

É necessário avançar na consciência de nossa classe para superar as políticas dos governos burgueses, sejam da direita tradicional, da ultradireita ou de conciliação de classes e amigo da burguesia, como o de Lula. Lembrando, neste processo, que buscar a construção de uma sociedade controlada pelos próprios trabalhadores, revolucionária e socialista, é a única alternativa para tirar os trabalhadores do jugo e da exploração capitalista.

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