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As revoluções do pós-guerra e a traição do stalinismo

Os acordos de Yalta e Potsdam foram pactos contrarrevolucionários fundamentais para a preservação do capitalismo na Europa Ocidental que estava devastada depois do fim da Segunda Guerra Mundial e passava por uma crise revolucionária, principalmente na França, na Itália e na Grécia.

Bernardo Cerdeira

13 de março de 2024
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No artigo anterior, vimos que durante o curso da Segunda Guerra Mundial, Stalin se reuniu com os líderes das potências aliadas, Roosevelt (que após sua morte foi substituído por Truman) e Churchill, em conferências realizadas nas cidades de Teerã, Yalta e Potsdam. Nessas reuniões, além da discussão sobre a condução da guerra, foi celebrado um Pacto entre os governos imperialistas e a burocracia stalinista para dividir o mundo.

Os Pactos de Yalta e Potsdam foram acordos com o imperialismo contra a revolução mundial

Esses acordos garantiam que a União Soviética poderia manter uma área de influência nos países da Europa Oriental, isso é, Polônia, Bulgária, Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária, Romênia e Alemanha Oriental, além da anexação dos países Bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia). Até o fim da guerra, todos esses países foram ocupados pelo Exército Soviético.

Em troca, Stálin se comprometia a ordenar aos Partidos Comunistas dos países ocidentais que atuassem contra qualquer processo revolucionário que se desse na Europa Ocidental. A justificativa para esse Pacto era uma combinação da necessidade de atender os interesses políticos e militares de defesa da União Soviética com a política de “coexistência pacífica” do stalinismo com os países imperialistas chamados “democráticos”. Mas, esses acordos implicavam em uma política de colaboração de classes com os governos imperialistas burgueses e uma ação contrarrevolucionária na área de influência do imperialismo.

O “Socialismo em um só país” justificava a defesa dos interesses da burocracia stalinista

A fundamentação ideológica dessa política estava baseada na falsa teoria do “socialismo em um só país” que havia sido formulada por Stálin e Bukharin em 1924. Essa teoria dizia que era possível construir o socialismo especialmente na União Soviética porque esta tinha enormes recursos naturais, uma grande população e um gigantesco território. Alcançar o socialismo em um único país em um mundo dominado pelo mercado mundial capitalista é impossível. Muito menos em um país muito atrasado e isolado como era a URSS dos anos 20 do século passado. Era uma teoria totalmente contrária aos princípios definidos por Marx e Engels que afirmavam que o socialismo só poderia ser um sistema mundial muito superior ao capitalismo.

Mas, essa teoria se ajustava totalmente aos interesses dessa casta de funcionários privilegiados que foi o stalinismo e que havia usurpado o poder dos trabalhadores. A burocracia stalinista não estava interessada em impulsionar a revolução mundial, mas sim em consolidar o seu poder e seus privilégios dentro do Estado soviético. Sob essa ótica, todos os acordos e políticas com o imperialismo eram válidos para preservar o Estado que garantia esses privilégios.

Stalin acaba com a III Internacional

Coerente com essa política e como demonstração de suas intenções e boa vontade, Stalin ordenou a dissolução da Internacional Comunista em 15 de maio de 1943, antes mesmo da primeira reunião em Teerã. Com essa resolução, pretendia agradar a Roosevelt e Churchill e tranquiliza-los de que a União Soviética não tentaria fomentar a revolução internacional.

Na verdade, a Internacional Comunista ou III Internacional, que havia sido fundada por Lênin e Trotsky com o objetivo de ser um “partido da revolução Mundial”, já tinha sido totalmente descaracterizada e seus propósitos iniciais tinham sido anulados por Stalin. Desde os anos 20, a III Internacional havia passado a ser um simples escritório internacional do Partido Comunista da União Soviética, manipulada para servir aos interesses da burocracia. Portanto, quando foi dissolvida, a Internacional Comunista já estava morta, só não havia sido enterrada.

O stalinismo trai a revolução na Europa Ocidental

Os acordos de Yalta e Potsdam foram pactos contrarrevolucionários fundamentais para a preservação do capitalismo na Europa Ocidental que estava devastada depois do fim da Segunda Guerra Mundial e passava por uma crise revolucionária, principalmente na França, na Itália e na Grécia.

Os Partidos Comunistas desses países tinham dirigido a resistência guerrilheira ao nazismo na França ocupada pelo exército alemão e na Itália fascista. Quando o nazismo foi derrotado e acabou a guerra, os movimentos guerrilheiros e os Partidos Comunistas desses dois países tinham uma enorme força e prestígio.

Stálin cumpriu sua parte do acordo: ordenou que os Partidos Comunistas traíssem a luta revolucionária dos trabalhadores da França e da Itália se unindo à direita burguesa e fazendo parte dos governos de De Gaulle na França e Badoglio-De Gaspari na Itália para assim reconstruir o Estado burguês.

A primeira medida dos Partidos Comunistas foi chamar as massas a entregar as armas para reconstruir o Exército burguês. Maurice Thorez, dirigente do PC francês lançou a palavra de ordem, “um só exército, uma só polícia”.

Mas a traição dos Partidos Comunistas foi além de desarmar a resistência: entraram para os governos capitalistas do pós-guerra ocupando postos nos ministérios e trataram de se colocar contra as greves em nome da “necessidade de produzir”. Dessa forma conseguiram controlar e desviar as mobilizações do movimento operário que se dirigiam contra os governos burgueses.

Mais trágica ainda foi a traição de Stalin na Grécia, país reivindicado por Churchill como área de influência do imperialismo inglês. Com o fim da guerra, o exército inglês desembarcou na Grécia. Stálin ordenou que a guerrilha grega entregasse as armas para as tropas inglesas.

As milícias guerrilheiras que se concentravam em Atenas e nos seus arredores se recusaram a entregar suas armas e foram violentamente atacadas pelo exército inglês. Segundo Churchill era preciso impedir “a vitória do trotskismo aberto e triunfante”, caracterizando com esses termos a guerrilha grega por sua combatividade revolucionária. Obedecendo as ordens de Stálin, as forças guerrilheiras do interior não intervieram em ajuda aos seus companheiros de Atenas e as milícias urbanas terminaram entregando suas armas. Anos depois, sem o apoio da União soviética, a guerrilha foi derrotada.

Toda essa tremenda traição do stalinismo no pós-guerra foi o principal fator que permitiu ao imperialismo americano estabilizar a situação política na Europa Ocidental o que por sua vez garantiu o sucesso econômico do Plano Marshall e a consequente reconstrução capitalista dos países europeus devastados pela guerra.

Apesar das traições o stalinismo não conseguiu impedir as revoluções do pós-guerra

No entanto, as traições do stalinismo, não puderam impedir um poderoso levantamento revolucionário em grande parte do mundo. Antes de ser assassinado, Trotsky havia previsto que uma onda revolucionária varreria o mundo depois da Segunda Guerra Mundial. Sua previsão foi exata.

Na Europa, o movimento de resistência ao nazismo na Iugoslávia se transformou em uma revolução, onde o exército guerrilheiro de resistência liderado por Tito, derrotou os nazistas e tomou o poder expropriando a burguesia contra a vontade de Stálin. O mesmo sucedeu na Albânia. Posteriormente Stálin entraria em confronto com Tito em uma das primeiras divisões no interior da corrente stalinista.

A ocupação dos países do Leste Europeu pelo Exército soviético expropriou a burguesia, o que foi progressivo, mas instaurou regimes totalitários à semelhança da ditadura stalinista soviética e com um agravante: desde o princípio a União Soviética teve uma relação de opressão sobre todos eles. O objetivo da burocracia de Moscou era a pilhagem de todas essas nações em benefício do estado soviético, tanto por meio da transferência de suas indústrias, que foram levadas para a URSS, como das relações comerciais desiguais que beneficiavam o estado soviético. Essa pilhagem foi garantida pela ocupação militar e pela opressão política.

Na Ásia, a derrota do imperialismo japonês deu lugar à guerra civil entre o Exército Popular dirigido pelo Partido Comunista de Mao e o Exército do partido burguês, o Kuomintang. A luta guerrilheira e um grande levantamento das massas camponesas, que expropriaram as terras dos grandes senhores, levou à vitória da grande Revolução chinesa em 1949. No Vietnam, a guerrilha do Partido Comunista derrotou as forças do imperialismo francês na batalha de Diem Bem Phu em 1954 e conseguiu liberar o Norte do país onde também se expropriou a burguesia.

Na Coreia acontece um movimento semelhante que é contido pela invasão das tropas americanas, que foram finalmente obrigadas a recuar pela intervenção do exército chinês na guerra. A burguesia foi expropriada no Norte do país.

Stalin não apoiou essas revoluções nem a expropriação da burguesia. Na China, por exemplo, ele preferia que o Partido Comunista governasse em aliança com o Kuomintang. E a direção dos PC’s em todos esses países não queria expropriar a burguesia e sim governar em aliança com ela. No entanto, a pressão das massas revolucionárias obrigou a estes partidos comunistas a tomar o poder e expropriar as terras e as propriedades da burguesia.

Novos estados operários deformados burocraticamente

Trotsky explicou em vários escritos, principalmente no livro “A Revolução Traída”, que a URSS se havia transformado em um estado operário degenerado burocraticamente, produto do retrocesso da revolução na Europa, do isolamento do país, da guerra civil, da extrema penúria e da destruição da estrutura produtiva do país e da burocracia herdada do czarismo.

A combinação desses elementos permitiu o surgimento de uma casta de funcionários privilegiados dirigidos por Stálin que se apoderou do Partido, do Estado soviético e da Internacional Comunista, burocratizando as direções nacionais de suas seções, todas dependentes econômica e politicamente do aparelho de estado da União Soviética.

Os Partidos Comunistas de países onde eclodiram revoluções, como a China, Vietnam, Iugoslávia e Albânia já estavam totalmente “estalinizados”, ou seja, dominados por direções burocráticas moldadas pela matriz stalinista da União Soviética. Por isso, nas revoluções desses países não houve um período de democracia de conselhos operários, os chamados sovietes, nem os partidos que tomaram o poder eram revolucionários como o Partido Bolchevique de Lênin e Trotsky.

Foram processos revolucionários controlados por partidos stalinistas que tomaram o poder para não perder o controle dessas revoluções, expropriaram a burguesia e criaram novos estados operários deformados burocraticamente desde o princípio porque haviam nascido sob uma direção burocrática

Esses novos estados operários foram uma vitória parcial e momentânea para o proletariado mundial porque a burguesia foi expropriada e se gerou uma economia coletivizada. No entanto, foi uma vitória contraditória porque desde o início foram controlados por uma casta burocrática que moldou o estado para obter privilégios e constituiu regimes políticos totalitários que algumas décadas depois restauraram o capitalismo e criaram uma nova classe burguesa em todos eles.

Divisões, conflitos e até guerra entre os estados operários burocráticos

Uma das maiores evidências desse aspecto contraditório e da terrível traição do stalinismo é que esses estados operários, que controlavam um terço da população mundial durante décadas, nunca formaram uma Federação Socialista de Estados Operários entre esses diversos países. Uma Federação desse tipo, onde a produção fosse planificada em conjunto, poderia ter feito avançar de forma impressionante as forças produtivas, a ciência, tecnologia, educação, saúde e muitos outros aspectos.

O que aconteceu foi o contrário: ao invés de uma Federação que desenvolvesse forças produtivas com uma planificação fraternal o que aconteceu foi o desenvolvimento de conflitos crescentes entre a União Soviética e a Iugoslávia, depois com a China, chegando até ao absurdo de uma guerra entre a China e o Vietnam.

A explicação para esse fenômeno dos choques e até guerras entre países, que se diziam socialistas e deveriam ter relações internacionais de colaboração fraterna entre si, é o fato de que em todos eles o poder estava em mãos de burocracias que dependiam cada uma do “seu” estado nacional. Ou seja, a defesa dos seus privilégios dependia do fortalecimento dos Estados nacionais controlados pelas burocracias e de políticas “nacionalistas” e não da unidade entre eles.

Mas isso nós vamos ver na segunda parte desta série quando vamos tratar mais a fundo dos elementos comuns à política e os fundamentos ideológicos do stalinismo: o “socialismo em um só país”; a “teoria dos campos” e do campo burguês progressivo, a política de Frente Popular, a “coexistência pacífica com o imperialismo”; o regime totalitário de partido único, os partidos monolíticos, a degeneração moral e a política de falsificações e calúnias aos opositores, etc.

 

 

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