Colunas

Vini Jr: o Davi Antirracista do Futebol Mundial

Davi tinha uma pedra e um estilingue para enfrentar Golias. Vini tem bola e uma habilidade impressionante para enfrentar toda uma estrutura racista.

Hertz Dias, Membro da Secretaria de Negros do PSTU e vocalista do grupo de rap Gíria Vermelha

26 de março de 2024
star5 (18 avaliações)
Reprodução Redes Sociais/ Vini jr

Daqui a pouco, a seleção brasileira entrará em campo para jogar contra a seleção espanhola. Os holofotes da imprensa futebolística mundial estarão voltados para este amistoso, que será muito mais do que um simples amistoso. O jogo já tem o seu protagonista, Vinícius Júnior. É difícil imaginar como estará a cabeça do moleque. Como ele se comportará em jogar pela primeira vez no Santiago Bernabéu, Estádio do seu clube, o Real Madrid, contra a sua própria torcida? Ou, como se comportará a torcida espanhola, a imprensa espanhola, os comentaristas, a polícia e a justiça espanhola, que quase nada tem feito diante das reiteradas agressões racistas sofridas por Vini? Estas expectativas aumentaram depois da entrevista coletiva, firme e forte, que Vini deu ontem. Esporte, de fato, não deveria se misturar com política, isso se os racistas não estivessem misturados com o esporte.

Vinícius Júnior tem apenas 23 anos e joga na Espanha desde os 18 anos. E nestes 5 anos, já enfrentou mais de 20 casos de racismo só em partidas de futebol. Na idade dele, muitos jovens ainda pensam em jogar profissionalmente, Vini, às vezes, pensa em parar de jogar.

Ele não tem dado mole para os racistas. Vai pra cima, estufa o peito, ergue a cabeça, importuna o juiz, interrompe o jogo, faz de tudo o que está ao seu alcance para enfrentar, não só os racistas que os xingam das arquibancadas, mas toda uma estrutura que lucra bilhões com talentosos jovens negros, sem que tenham a mínima preocupação em protegê-los contra esse tipo de agressão. Dane-se eles, Vini!

Alguns destes fazem a seguinte indagação: por que outros craques negros não são xingados tanto quanto Vini? Fazem isso, conscientemente, para transferir a responsabilidade de quem pratica o racismo para aqueles que sofrem e reagem. Vini, sofre, mas reage. Este é o incômodo problema.

Mas, é importante lembrar que Vinícius Júnior é um ser humano como outro qualquer. Ele não é obrigado a enfrentar tudo o que tem enfrentado e, como ele próprio disse na coletiva: “É desgastante por estar meio sozinho. Já fiz tantas denúncias e ninguém é punido, nenhum clube é punido.” Sim, Vini, deve ser sim muito desgastante! Afinal, você foi contratado pelo Real Madrid para ser jogador de futebol, onde todos estão sujeitos a ganhar, perder, ser aplaudido ou vaiado. Isso faz parte! O que não deveria fazer parte é ter que enfrentar uma via-sacra de agressões racistas por semana.

Essa ideologia de que devemos suportar tudo é uma ideologia racista. Ela parte da ideia de que os pretos e as pretas, por terem enfrentado quase 400 anos de escravidão, devem carregar o mundo nas costas e suportar todo tipo de humilhação e, de preferência, calados! Isso tá errado!

Clóvis Moura explica que os africanos escravizados recuperavam sua humanidade quando se rebelavam contra a escravidão. Isso serve para o Vini? Sim, também! Ele se humaniza, se autoafirma e dá voz a milhões de oprimidos quando reage a turba de racistas que os agride nos Estádios e fora deles. Mas, ele também sofre, chora, desanima, porque o racismo deprime, corta alma, dilacera o coração, é desumanizador!

Vejam. Foi forte a declaração dada por Vini na coletiva de que “Se saio daqui [da Espanha], dou aos racistas o que eles querem”. Mas, na minha opinião, foi muito mais forte quando ele disse que “Cada vez tenho menos vontade de jogar”. Após esta e tantas outras declarações, Vini não só chorou, mas fez o mundo, ou aquilo que ainda existe de humano neste planeta, chorar com ele.

Davi tinha uma pedra e um estilingue para enfrentar Golias. Vini tem bola e uma habilidade impressionante para enfrentar toda uma estrutura racista. A coisa é tão desigual que até os gols que ele faz podem ser utilizados para secundarizar tudo o que ele enfrenta nos jogos. Afinal são os gols que ajudam o Real Madrid a ganhar os jogos e é isso que interessa e não as reações de Vini às agressões desferidas contra ele. A nota que o Real Madrid publicou após o empate em 2 a 2 contra o time do Valência, em que Vini, em meio a xingamentos e faixas racistas, fez os dois gols, não foi em sua solidariedade, mas pra denunciar o gol que o juiz anulou. Nesta lógica, o que tem mais peso não é o sentimento humano, a humanidade das pessoas, a solidariedade, mas o capital arrecadado a cada jogo conquistado e cada troféu levantando.

No entanto, existem comentaristas que ousam dizer que Vini não é craque porque não tem as qualidades de um Leonel Messi ou de um Cristiano Ronaldo. Ora, não dá pra fazer essa comparação, porque nenhum desses dois são obrigados a enfrentar o que Vini enfrenta, sistematicamente, dentro e fora do campo. Foi o que o próprio Vini afirmou: “Eu vou para os jogos com a cabeça centrada no jogo para fazer o melhor para minha equipe, mas nem sempre é possível. Tenho que me concentrar muito todos os dias”. Dito isto, desabou em lágrimas!

Ouvir isso de um dos melhores jogadores do mundo, no auge de sua carreira, e que, por isso mesmo, pensa em parar de jogar futebol, é a prova mais cabal de que o racismo e o capitalismo estão transformando tudo que existe de mais belo e encantador neste planeta em seu extremo oposto. Onde homens viram máquinas, o campo vira arena, e entretenimento vira guerra. O ambiente onde a confraternização entre os povos deveria prevalecer é a opressão que tenta se impor. O capitalismo, definitivamente, é oposto ao belo, ao mágico, ao encantador e ao diferente.

Mas vamos lá, Vini. Não se sinta só. Você está fazendo as pessoas assistirem as suas partidas de futebol de outra forma. Digamos assim, da forma como o mundo assistia as lutas do icônico Muhammad Ali ou a dupla de afro-americanos, Tommie Smith e John Carlos, que em 1968 cerraram os punhos em ato contra o racismo e as injustiças após ganharem, respectivamente, as medalhas de outro e prata nos 200 metros rasos dos Jogos Olímpicos realizado no México.

Hoje estaremos na torcida pelo Brasil, mas antes de tudo, estaremos na torcida para que você ajude milhares de pessoas a se levantar, enfrentar e derrotar o racismo e os racistas dentro e fora dos Estádios de futebol, independente do resultado final do jogo.

Vini, você não precisava enfrentar tudo isso que estás enfrentando!
Força guerreiro!

Mais textos de Hertz Dias