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Autonomia com direitos? Projeto de regulamentação do trabalho por aplicativos esconde manobra para agradar empresas

Letícia Lima

6 de março de 2024
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Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Quando fechávamos essa edição, o governo havia formalizado sua proposta sobre a regulamentação do trabalho por aplicativos, depois de nove meses em negociação com as empresas do setor.

O projeto contempla algumas das reivindicações dos trabalhadores, como o piso salarial com referência no salário mínimo e final de semana remunerado (o que significa R$ 32,09 por hora, sendo R$ 24,07 pelos custos operacionais e R$ 8,02 por hora de trabalho); bem como seguridade social, com aposentadoria por idade, pensão por morte, auxílio-doença e acidente.

Além disso, o projeto promete construir pontos de apoio, com refeitórios, sanitários, água potável e primeiros socorros. São conquistas importantes, fruto da forte luta protagonizada pelos entregadores antifascistas, que se enfrentaram com os interesses desses monopólios gigantescos e bilionários.

Empresas de entrega estão fora do projeto

Contudo, o projeto que saiu da negociação do governo com as empresas também esconde retrocessos nas justas reivindicações do movimento.

A forma de regime de trabalho proposta não garante os mesmos direitos estabelecidos pelo regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e, numa manobra para agradar as empresas, o governo criou uma nova categoria, os “trabalhadores autônomos por plataforma”, que livra as empresas da responsabilidade de estabelecer um vínculo empregatício total.

E pior: o projeto abrange apenas os motoristas de passageiros, deixando de fora os entregadores da UberEats, IFood, Rappi, Loggi etc., que trabalham em condições precárias e transitam em situação de risco para entregar comida e mercadorias o mais rápido possível.

Empregos sem futuro

A CLT está fora de moda?

Nesse sentido, a promessa do governo de garantir “autonomia com direitos” esconde suas reais intenções de legalizar a precarização. Aliás, foram nos governos petistas anteriores que o trabalho precário mais cresceu no país, pois a maioria dos novos postos de trabalho criados foram terceirizados e na faixa de 1,5 salários mínimos.

De lá pra cá, a situação só piorou, pois o desemprego e o subemprego chegaram a níveis jamais vistos na pandemia. Hoje, estima-se que há quase 110 milhões de trabalhadores e trabalhadoras fora da CLT; sendo que 85,9 milhões estão na informalidade e 23,7 milhões são “autônomos”.

Nesse cenário de desmonte das leis trabalhistas, não é à toa que muitos trabalhadores questionem a necessidade da CLT.  Afinal, depois de sucessivas reformas da Previdência, que aumentaram a idade mínima, como esperar que um entregador trabalhe com mais de 60 anos em cima de uma bicicleta para se aposentar? Ou, para muitos trabalhadores que se desdobram em dois ou três empregos, como cumprir uma jornada mínima de 8 horas diárias como motorista de aplicativo?

Se as plataformas virtuais, as novas tecnologias de otimização da gestão e do trabalho estivessem a serviço de melhorar a vida da nossa classe, seria possível aumentar a produtividade, trabalhar menos e ter mais tempo livre.

Mas, o capitalismo se apropria da tecnologia para enriquecer grandes monopólios, como UBER, Ifood, Deliveroo, Amazon, Alibaba etc., enquanto, na outra ponta, gera superexploração e desemprego.

“Breque dos Aplicativos”

Um breque que botou em xeque os lucros das plataformas

No “Breque dos Aplicativos”, em 1º de julho de 2020, as reivindicações não se limitavam às pequenas migalhas. Os trabalhadores questionavam o controle dos aplicativos sobre seus ganhos, tempo e metas, impondo uma exploração sem limites e sem nenhuma contrapartida. A greve ganhou apoio dentre os trabalhadores das mais diversas categorias, pois desmascarava a nova face da superexploração, chamada, agora, de “empreendedorismo”.

O movimento deixou evidente a farsa das empresas de “tecnologia da informação” (TI), que, para burlar as leis trabalhistas, vendiam a ideologia de que o motorista é um mero parceiro que utiliza a tecnologia do aplicativo para “empreender”, o que faria destas plataformas meras fornecedoras de serviços.

Pega a visão

Lutar pela CLT e ir além!

Aproveitando a conquista do direito à organização sindical, os trabalhadores de aplicativo estão em melhores condições de questionar os limites do atual projeto de regulamentação, lutar pelos direitos da CLT e ir além, pois tampouco a CLT é suficiente para garantir condições dignas de vida.

É preciso, também, inverter a lógica dos algoritmos que controlam o tempo e metas dos trabalhadores, impondo pressão excessiva e um ritmo acelerado, gerando problemas de Saúde Mental e riscos de acidentes.

É importante se mirar no exemplo dos trabalhadores da União Europeia, que conquistaram leis que permitem gerenciar os logaritmos, conhecer os critérios sobre pagamentos e agendamentos, bem como recorrer de decisões injustas e arbitrariedades.

E mais do que condições mínimas de vida, precisamos almejar a construção de uma sociedade socialista, onde os avanços tecnológicos estejam a serviço da classe trabalhadora e onde possamos trabalhar menos e reduzir a jornada de trabalho para que todos trabalhem!

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