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Vinicius Gritzbach: a crônica de uma morte anunciada

Maria Costa, médica do SUS

18 de novembro de 2024
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Vinicius Gritzbach, executado no aeroporto internacional de Guarulhos

Poderia ser um título de mais uma história de realismo fantástico mas é uma história verdadeira de uma realidade cada vez mais distópica. Alguns meses atrás, Vinícius Gritzbach, “empresário” operador de lavagem de dinheiro do PCC, disse numa audiência em que negociava a sua delação premiada: “(…) eu preciso de um amparo de vocês também, senão vocês estão falando com um morto-vivo“. A sua anunciada sentença de morte foi cumprida no passado 8 de novembro, em plena luz do dia, na área de desembarque do maior aeroporto do país.

A morte de um arquivo-vivo

Tenho planilhas de pagamentos, contrato, matrícula, contas de onde vinham seguindo o dinheiro. Então, dá para a gente fazer o caminho inverso. Tenho conversas de Whatsapp com os proprietários.”

Segundo o promotor do Ministério Público de São Paulo, Lincoln Gakiya, Gritzbach era um arquivo-vivo: “Ele era uma pessoa que conviveu com líderes do PCC, ele sabia exatamente onde o crime organizado, sobretudo o PCC, estava lavando dinheiro. Ele era um arquivo vivo, disso não tenho dúvida“. Gritzbach não só sabia demais sobre o PCC, mas também sobre as relações do PCC com empresas legais como construtoras de imóveis de luxo, renomadas agências de futebol, empresas de ônibus e policiais corrompidos pelo PCC. Pela queima desse arquivo estaria sendo oferecido R$3 milhões. 

Este crime midiático reata as discussões sobre o quanto o crime organizado, particularmente o ligado ao tráfico de drogas, está infiltrado nas instituições públicas e na economia legal.

Lembremos que há poucos meses duas operações do Ministério Público revelaram contratos milionários entre o PCC e instituições públicas. Uma delas, operação Muditia, mirou empresas de limpeza e conservação, controladas pelo PCC, que venceram licitações fraudadas com várias prefeituras do estado de São Paulo, e inclusive com o Metrô de São Paulo. Esses contratos teriam rendido ao PCC mais de R$250 milhões, entre 2016 e 2023, vindos diretamente dos cofres públicos. Outra, a Operação Fim da Linha, revelou outros contratos milionários entre a prefeitura de São Paulo e duas empresas de ônibus controladas pelo PCC, a UPBus e a Transwolff. A primeira tinha uma frota de 158 ônibus que operavam em 13 linhas e transportavam cerca de 67 mil passageiros, a segunda, uma das maiores empresas a prestar esse serviço para a prefeitura, tinha uma frota de 1158 ônibus que operavam em 133 linhas e transportavam cerca de 585 mil passageiros. Não foi revelado quanto o PCC embolsou diretamente com esses contratos, mas o valor patrimonial bloqueado pela justiça nos dá uma ideia: R$600 milhões.

Como os integrantes do PCC evoluíram de traficantes para empresários

Há cerca de um pouco mais de 10 anos o PCC  começou a entrar no mercado atacadista de drogas e assumiu o protagonismo do tráfico internacional de drogas, especialmente de cocaína, para a Europa e a Ásia. E este é um dos negócios mais lucrativos do mundo. 

Para termos uma ideia da dimensão dos valores, só este ano foram feitas duas apreensões de cerca de 10 toneladas de cocaína, uma no Golfo da Guiné em março, e outra na costa da Martinica em Agosto, nas duas embarcações estavam brasileiros ligados ao PCC. Cada uma dessas embarcações teria rendido aos integrantes do PCC 600 milhões de euros, cerca de R$ 3 bilhões. Não nos iludamos, esses não eram os únicos barcos do PCC abarrotados com cocaína destinada aos narizes europeus. Certamente outros alcançaram o seu destino.

Esses R$3 bilhões arrecadados com cada carregamento, não ficam guardados debaixo do colchão de alguém, vão para a economia legal, compram fazendas, cabeças de gado ou imóveis de luxo como o adquirido por Anselmo Becheli Santa Fausta (Cara Preta), de R$15 milhões pagos em espécie na sede da Porte Engenharia, ou para pagar contratos de agenciamento de jogadores de futebol. Também podem ser investidos em Bitcoins e Fintechs. Ou são injetados em postos de gasolina, empresas de ônibus, empresas de prestação de serviços a prefeituras pelo Brasil afora. É nesses meios que encontramos os empresários do PCC.

Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), estimou que só a cocaína que passa pelo Brasil e não é apreendida, seja para consumo interno, seja para a reexportação para a Europa, África, Ásia e Oceania, gere um faturamento de cerca de U$65,7 bilhões (R$ 335,10 bilhões), o que equivale a cerca de 4% do PIB brasileiro em 2021.

Com poder econômico vem poder político

As empresas capitalistas que movimentam valores dessas dimensões, que operam em mercados bilionários, têm influência política, A Vale, a JBS, a Ambev, a Rede Dor, financiam campanhas eleitorais, elegem vereadores, deputados, e ajudam na eleição de prefeitos, governadores e presidentes da República.

Não é diferente com os empresários do PCC, do CV, ou de traficantes atacadistas não faccionados (cada vez menos). Parte dos lucros bilionários destas organizações vai para campanhas eleitorais de gente que depois garante, entre outras coisas, que as empresas legais do PCC assumam prestação de serviços de prefeituras (como as de Campinas e São Paulo) e entidades estatais como o Metrô de São Paulo.

Um caso que está em investigação é o de Milton Leite, eminência parda do poder paulista, foi vereador da Câmara por mais de 28 anos, e seu presidente desde 2020. Diz-se à boca miúda nos bastidores que quem mandava de fato no Município era Leite. No fim-de-semana em que a convenção do MDB referendou Ricardo Nunes como candidato a prefeito, Milton Leite fez um evento paralelo do União Brasil, não foi à convenção de Nunes, Nunes é que foi ao evento da UB que selou apoio à sua candidatura, em troca de duas secretarias no futuro governo municipal, a mais desejada por Leite era a de Transportes. A reverência de Nunes tem motivo, foi Milton Leite que o indicou para vice de Bruno Covas na época em que ele era um vereador inexpressivo da câmara de São Paulo.

A influência de Milton Leite sobre Nunes ficou estremecida em abril deste ano quando foi desencadeada a Operação Fim da Linha e veio a público a relação de Leite com a Transwolff e com Luiz Carlos Efigênio Pacheco, conhecido como Pandora. Pandora é mais um empresário do PCC e teria movimentado, só em uma conta do Banco do Brasil R$48,3 milhões de facção, entre agosto de 2018 e julho de 2019, e entre março de 2020 e março de 2021.

Por sua vez, a relação de Leite com Pandora e a Transwolff é antiga, em 2006 a sua empreiteira, a Neumax, foi responsável pela construção da garagem da Cooper Pam (antigo nome da Transwolff), estimada na época em R$14 milhões. Mas os valores astronômicos repassados da transportadora de Pandora à construtora de Leite não ficaram por aí. A transportadora de  Pandora assinou um contrato de aluguel no valor de R$812 mil de um conjunto industrial e um terreno na zona sul de São Paulo, um valor quase três vezes maior que o preço de mercado. Na vigência do contrato até agosto deste ano a Transwolff teria repassado a Leite cerca de R$20 milhões. Esse é apenas um dos 71 acordos imobiliários entre as duas empresas. 

Muito mais do que uma investigação de assassinato

Tal como a investigação da morte de Marielle Franco revelou muito mais do que os autores do assassinato sobre as relações de poder entre o crime organizado e as instituições públicas do Rio de Janeiro, a investigação da execução de Gritzbach, se conduzida com a profundidade e amplitude devidas, pode revelar bem mais do que se foi ou não o PCC o mandante e se os PMs que faziam a sua escolta estavam ou não envolvidos no assassinato…

A pressão popular, contudo, que garantiu que, apesar de todos os entraves políticos, a investigação de Marielle avançasse não está obviamente presente neste caso, a população não lamenta a morte de mais um operador financeiro do PCC. Por outro lado, o PCC é hoje uma potência econômica muito superior ao que eram os Brazão e são as milícias no Rio. Um poder econômico dessa dimensão compra poder político, compra a polícia e o judiciário e garante impunidade… Um exemplo disso é que Pandora, réu por apropriação, extorsão e lavagem de dinheiro foi solto, após dois meses na prisão, graças a um habeas corpus concedido pela 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

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